Dona Magdalena: Mulher sábia, cheia de história, discrição e simplicidade

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Uma mulher com muita história. Assim era Dona Magdalena Arraes, que encantou-se nessa quinta-feira, aos 96 anos. Conheci Dona Magdalena em 1979, quando o seu marido, Miguel Arraes de Alencar (1916-2005), beneficiado  pela anistia, retornou do exílio. Em Pernambuco, foi recebido como herói e recepcionado com um comício gigante, aqui organizado pelos seus então aliados.

Desde então, aprendi a admirar Magdalena, pela sua inteligência, pelo seu preparo intelectual e sobretudo pela sua simplicidade e discrição. Foi três vezes primeira dama de Pernambuco, mas se portava como se não fosse. Mantinha sempre seu jeito simples de ser, fazia pessoalmente o supermercado e, no Palácio do Campo das Princesas, movimentava ações assistenciais para as populações carentes.

Magdalena era formada em Letras, ensinava no Rio de Janeiro e conheceu Arraes durante uma viagem a Paris. Cearense como ele, logo descobriram uma série de  identidades. Mesmo enfrentando a objeção dos pais, ela decidiu se casar com o viúvo (a primeira esposa de Arraes morreu em 1961), e cuidar dos seus sete filhos, órfãos de mãe. E deles cuidou como se mãe fosse. Os mais velhos costumavam chamar-lhe de Mada. E com Arraes, ela teve mais dois filhos, Mariana e Pedro. Com a morte do ex governador, ela passou a organizar documentos sobre a vida política do marido no Instituto Miguel Arraes: livros, cartas, discursos. Mesmo doente, compareceu ao Instituto durante um bom tempo: sofria do Mal de Alzheimer.

No retorno à vida política,  e com mandato na Câmara dos Deputados, Arraes foi morar em Brasília.  Mas uma vez ela me confessou que não gostava de ficar lá. Eu também não gosto muito da Capital Federal. Trocamos essa confidência, durante um encontro casual em uma esquina da Rua Sete de Setembro com a Avenida Conde da Boa Vista. Conversamos assim mesmo, em pé, sobre política e amenidades. Eu falei que não gostava daquela cidade “sem esquina” e ela me disse o mesmo. “Lá a gente não teria esse encontro casual com pessoas que a gente gosta”. E rimos juntas.

No sepultamento de Arraes, em 2005, fiquei com muita vontade de me aproximar e lhe da um abraço solidário. Mas me senti um pouco sem jeito e contei ao neto dela, Antônio Campos, que gostaria muito de lhe declarar minha solidariedade com um abraço. Ele me aconselhou a fazer. E eu o fiz e me senti acolhida. Pois também chorava no enterro, embora estivesse ali como repórter. Foi a última vez que dei um abraço em Dona Magdalena, figura que sempre admirei e que depois vi, algumas vezes, na sede do Instituto que até então funcionava na casa da família, onde Arraes residiu após o exílio. O velório de Dona Magdalena acontece  na sexta-feira (12/ 7), a partir das 8h, no Cemitério de Santo Amaro. O sepultamento está previsto para 11h.

A família distribuiu nota na qual destaca o papel dela como “um exemplo de amor e dedicação, deixando um legado de bondade e generosidade. Sua partida deixa uma saudade imensa”. A vida da ex-primeira dama rendeu um livro publicado na Coleção Memória, da Cepe, “Magdalena Arraes, a dama da história”. E ela foi mesmo. Pernambuco perdeu um mito, quando Arraes se foi. Agora, Magdalena, que foi por três vezes primeira dama do estado. Saudades, Dona Magdalena!

A Governadora Raquel Lyra decretou luto oficial de três dias, para assinalar o desaparecimento de Magdalena Arraes. Nos links abaixo, você confere informações sobre fatos e personagens que viveram 1964.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Capa do livro da Cepe “Magdalena Arraes, a dama da história”

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