Com 6,5 hectares, o Sítio da Trindade não é apenas a última grande área verde do bairro de Casa Amarela. É, também, um triplo reservatório de nossa história, sendo inclusive tombado pelo IPHAN desde 1974. E porque ele é três vezes importante? Vejam vocês se tenho ou não razão, acompanhando as várias funções do equipamento, empreendendo uma “viagem” através dos séculos. Vamos “embarcar” nos requisitos que fazem dele um equipamento tão especial? Vamos lá.
Primeiro: No século 17, foi erguido ali o Arraial Velho do Bom Jesus, que funcionou como foco de resistência luso brasileira contra os holandeses entre os anos de 1630 e 1635. No local há, ainda, as ruínas da fortificação erguida à época para enfrentar os flamengos.
Segundo: o Sítio Trindade funcionou como sede do Movimento de Cultura Popular MCP), instituído pelo então Prefeito do Recife, Miguel Arraes (1916-2005). O MCP era coordenado por ninguém menos que um jovem chamado Paulo Freire, que mais tarde se transformaria em um dos educadores mais respeitados do mundo. O MCP foi criado após amplo debate com a sociedade e pretendia a emancipação do povo pela educação e cultura, com ênfase na popular.
Terceiro: o Sítio da Trindade sedia, ainda, uma instituição pioneira no Brasil, que é o Memorial da Democracia, infelizmente ainda desconhecido pela maior parte da população do Recife. Através dele, são homenageados todos aqueles que lutaram contra a ditadura implantada no Brasil em 1964, com referência inclusive aos ex-presos políticos, aos desaparecidos e aos que morreram sob tortura nos masmorras do regime (foto abaixo). Na Galeria desses mártires, o Padre Henrique Neto, então assessor de Dom Hélder, que foi torturado e assassinado por agentes da ditadura,em um caso que ganhou as manchetes internacionais.
Na verdade, o Memorial mergulha um pouco mais no passado, pois além de lembrar a importância de personagens como Josué de Castro (1908-1973), Dom Helder Câmara (1909-1999), Paulo Freire (1921-1997), o próprio Arraes, Pelópidas Silveira (1915-2008), Francisco Julião (1915-1999), Gregório Bezerra (1900-1983), Adalgisa Cavalcanti (1907-1998), também ressalta personagens como José Mariano (1850-1912), que lutava contra o regime escravocrata, no século 19. Também há reproduções de jornais dos séculos passados que defendiam a liberdade e o fim da escravidão.
Entre eles, O Liberal, O Foguete, O Nazareno, A Sentinela da Liberdade, e o Aves Libertas, que era feito por mulheres. O Memorial não funciona aos finais de semana, mas foi excepcionalmente aberto para receber o grupo Bora Preservar, por uma gentileza de Marcelo Muniz, Chefe de Manutenção do Sítio. Ele lembrou que o equipamento não é propriamente um parque (por não ser gerenciado pela Emlurb), mas sim um equipamento “cultural, histórico e ambiental”, ligado à Fundação de Cultura do Recife. Lembrete: em frente ao Memorial da Democracia, há três esculturas: “Você me prende vivo eu escapo morto” (lembrando as prisões e torturas do regime de exceção) e a Torre Cinética (em homenagem a Abelardo da Hora, artista plástico que integrou o MCP). As duas obras de arte são assinadas pelo escultor Jobson Figueiredo. Uma terceira, ainda encoberta, está para ser inaugurada. Quem será? O escultor é Cavani Rosas.
A quem vai ao Sítio da Trindade, um apelo: não jogue lixo no chão, Segundo Marcelo, há 48 lixeiras espalhadas pelo equipamento. Mas mesmo assim… é muita sujeira deixada no chão pelos visitantes. Haja falta de educação doméstica e de consciência ambiental, o que pode ser uma boa pauta para as atividades do local, onde há uma Academia da Cidade e sempre sedia eventos. Agora, quem lá for pode até permanecer sem consciência ambiental. Mas, com certeza, sai com conhecimento maior em história e política, com valorização maior da importância da democracia, que um bando de gente sem noção andou tentando recentemente torpedear…
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins (#OxeRecife) e Edson Holanda (PCR/Acervo #OxeRecife)
Belo texto, pois nos trás a importância desse espaço tanto na parte cultural, quanto na sua resistência política, antes e depois. E mais, a sua inclusão na defesa do meio ambiente e plantio de novas mudas, com um trabalho feito por Marcelo e sua equipe.
Precisamos de mais espaços como esse, e não apenas mais espaços…
Excelente ,Letícia, a “tripla” abordagem do Sítio da Trindade como referencial histórico e cultural da nossa cidade.
Que esse grandioso espaço seja preservado como guardião da nossa memória, como marco temporal na defesa incondicional da liberdade, da resistência e das artes. .
Letícia, com seus textos, você tem o dom de valorizar ainda mais sobre o que você escreveu! O Sítio Trindade é um equipamento maravilhoso, mas você conseguiu realçar mais!! Parabéns amiga!!! 👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽
Excelente texto, Letícia, precisamos divulgar mais esse importante e belo espaço!
Parabéns ao oxerecife por divulgar a importância do Sítio Trindade para a cidade do Recife e para Pernambuco. Quem tiver oportunidade não deixe de visitar não apenas o Sítio, mas também a casa, repleta de histórias e fotos de vultos importantes da nossa história. Para entender o presente é imprescindível conhecer o passado.