Onde e quando aconteceu o primeiro ato em defesa do restabelecimento das eleições diretas no Brasil? Você sabe? Dê um palpite, foi em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro ou Recife? Se você indicou alguma dessas quatro cidades, errou. O que se sabe é que a mobilização estava começando por Pernambuco, explodiria nacionalmente e que o poder da ditadura começava a se esvair, diante da pressão popular. A cor amarela viraria símbolo da campanha pelas “Diretas já” que, vitoriosa, colocaria fim ao regime de exceção que dominava o país desde 1964, às custas de uma repressão sangrenta que terminou deixando uma multidão de torturados, desaparecidos e mortos. Em 1983, o Brasil era presidido pelo General João Baptista Figueiredo, aquele que dizia que gostava “mais de cheiro de cavalo do qe de povo”, lembram?
O que poucas pessoas sabem é que o primeiro ato pelas “diretas já” aconteceu no nosso estado. Mais precisamente no município de Abreu e Lima, tendo sido organizado por quatro vereadores: Reginaldo Silva, Severino Farias (os dois da foto acima), Antônio Amaro Cavalcanti e José da Silva Brito (este já falecido). O ato público, no entanto, não reuniu mais de cem pessoas naquela cidade, localizada a 18 quilômetros do Recife. Mas o esforço valeu. Porque apesar de plateia tão pequena, o ato seria o estopim da campanha que ganharia as ruas do país e os corações dos brasileiros. E que resultou na votação da emenda Dante de Oliveira, que restaurava os direitos eleitorais e civis dos brasileiros. No regime de exceção, era vedado ao eleitor o direito de votar para presidente, governador e prefeitos de capitais, naquela época escolhidos pelos generais de plantão. A emenda foi rejeitada no parlamento, porém a última eleição indireta para escolher o Presidente, representaria a “transição democrática”, com a indicação do oposicionista Tancredo Neves para substituir o militar. Tancredo morreu antes de assumir. E o seu vice, José Sarney, virou Presidente. Sarney sempre foi ligado aos generais, mas honrou os compromissos democráticos e restabeleceu as eleições diretas no Brasil.
Quanto à manifestação pioneira, em Abreu e Lima, os organizadores se orgulham do feito histórico. “O ato foi um grito de esperança, para que as autoridades reconhecessem que o Brasil não aguentava mais a ditadura”, lembra Severino. Ele não esconde a tristeza, pelo fato de ver, hoje, o local onde aconteceu ser totalmente esquecido. “O ato na Praça da Bandeira foi um marco pela democratização, e nos entristece muito ver um símbolo como aquele sem o devido cuidado”, reclama. Reginaldo Silva afirma que o grupo de quatro jamais imaginaria a dimensão que a iniciativa tomaria”. Para comemorar os 40 anos da iniciativa – o ato público foi em 31 de março de 1983 – a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) realiza ato comemorativo para assinalar a data. A cerimônia será realizada às 10h da sexta-feira (31/3), no Sítio da Trindade, que fica na Estrada do Arraial, em Casa Amarela, Zona Norte do Recife.
Em seu casarão secular funciona atualmente o Memorial da Democracia, iniciativa pioneira no Brasil. O Memorial – que preserva a memória daqueles que foram perseguidos pela ditadura – ganhará uma placa alusiva ao ato de Abreu e Lima, e haverá discursos e apresentações culturais. A cerimônia ocorre em parceria com outras entidades, como o Governo de Pernambuco; o Ministério Público; o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco; OAB-PE; e Universidade Católica. Ao evento, devem comparecer familiares da ex-deputada Cristina Tavares (1936-1964), do ex-deputado Egídio Ferreira Lima (1929-2022), pernambucanos que muito lutaram contra a ditadura. Também está sendo esperado João Goulart Filho. Ele é filho do ex-Presidente João Goulart (1919-1976), que presidiu o Brasil entre 1961 e 1964, quando foi deposto e perseguido pela ditadura.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Alepe / Divulgação e Letícia Lins (#OxeRecife)