“Bora Preservar” assinala centenário de Osman Lins: seus caminhos no Recife

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Hoje foi dia de encontro  com o Bora Preservar, que é o braço recreativo do Grupo Preservar Pernambuco. O tema do passeio a pé desse domingo (28/7) me era muito familiar: “Os caminhos de Osman Lins no Recife”, já que sou filha do escritor que, em 2024, completou centenário de nascimento. Então, o Coordenador do Preservar Pernambuco, Denaldo Coelho, me pediu que servisse de guia para o pessoal, já que o tema do percurso me era tão próximo. Na  verdade, como expus ao grupo, foi um roteiro “muito mais afetivo do que literário”, pois passamos por locais que marcaram minha infância  ao lado dele, assim como os caminhos que fazia o cidadão Osman, quando residia na cidade.

Saímos do Marco Zero, onde fizemos uma pequena apresentação da obra do escritor, citando os seus romances, os livros de contos, os ensaios, as peças de teatro. Depois, um pequeno perfil a partir de sua chegada no Recife, onde trabalhou inicialmente no Colégio Padre Félix (que não mais existe), de onde saiu para o Banco do Brasil, no qual ingressou por concurso. Como nossos passeios são sempre guiados, contei uma historinha do banco – que foi fundado em 1808 – e que chegou ao Recife há mais de um século. No BB do Recife, Osman conheceu grandes figuras, como Lauro Oliveira (amigo irmão) e Capiba, colega de trabalho. Capiba, que serviu ao BB por mais de 30 anos, hoje dá nome ao edifício sede da instituição no Recife.

Caminhada acabou no Parque Treze de Maio com vela, parabéns e corte de bolo: comemorando o centenário de Osman

Lembrei que o BB garantiu a sobrevivência do meu pai por um longo tempo,enquanto a Literatura dele se firmava. Mas como era um homem muito sensível , não gostava do ambiente bancário, embora fosse muito responsável também com esse trabalho. Em carta,  uma vez ele me afirmou: “O agrônomo olha para o campo e vê o milharal; o veterinário, o rebanho que cuidou; o médico, o paciente cuja vida ele salvou; mas quando abro as gavetas daqui só vejo um bando de fichas velhas”. Ele costumava dizer que no BB “só fazia lidar com fichas” e que nele “nada aprendeu, não viveu”. Tudo porque seu foco era realmente a Literatura. Informei que só no final da carreira de “bancário”, já residindo em São Paulo , ele foi instalado na Biblioteca do BB, o que finalmente lhe agradou. Mas o convívio com os livros ali não durou, porque logo depois se aposentaria. Os caminhos desse domingo de uma certa forma, foram por ele percorridos na cidade. É claro que o roteiro não foi completo, mas foi uma oportunidade de se “passear”, também, pela sua obra.

De lá rumamos para o Teatro Santa Isabel, onde em 1958 houve uma leitura da primeira peça teatral por ele escrita – “O Vale sem Sol” –  que havia sido destaque em concurso promovido pela Cia Tônia-Celi-Autran, que era capitaneada entre outros por Tônia Carrero e Paulo Autran, à época dois ícones das artes dramáticas no país. Lá, contei minhas idas com o pai ao TSI, quando descobri como pequena espectadora, a magia do teatro. Lembro-me das duas primeiras peças que assisti com ele, mas não a ordem: “Onde canta o sabiá” e “Pluft o fantasminha”. Depois, passamos pelas Ruas Nova, Imperatriz – os passeios dominicais da época –  a antiga Sorveteria Gemba, o Cinema São Luiz, onde assistimos, juntos, o meu primeiro filme, “Lili”, com Leslie Caron. O musical de 1953, chegou com certo atraso ao Brasil, mas não me empolgou. Pois eu queria que o filme acabasse logo, para ver os dois jarros laterais à tela, que são em vitrais. Meu pai me pregou uma peça. Dizia que os jarros eram diferentes, o que atiçou minha curiosidade. Mas nunca consegui comparar um com o outro porque apagam logo.

Depois, seguimos para o Edifício Capibaribe, na Rua da Aurora, que   é o cenário de “A ilha no espaço”, um caso especial que o escritor fez para a TV Globo, nos anos 1970. Ao todo, foram três casos especiais para a TV Globo:  Além daquele, “Quem era Shirley Temple” e “Marcha Fúnebre”. Relatei, então, as visitas que fazíamos ao prédio, onde residia sua professora da Aliança Francesa. O edifício virou tema de um mistério na Literatura. Isso porque segundo “A Ilha no Espaço”, todos os moradores foram vítimas de mortes misteriosas, só esclarecidas no final. Também estivemos no Hotel União, onde ele morou logo que conseguiu uma certa autonomia financeira e saiu da casa do tio, Álvaro Lins, na qual morou logo que chegou ao Recife. Mostrei que os tempos ali, lhe inspiraram a escrever “Um ponto no círculo”, do livro Nove, Novena: “Mulher nenhuma, até ontem, desatara os cabelos para mim”. No conto, ele narra de forma muito poética, uma experiência pessoal imprevisível de amor efêmero, que ali aconteceu.

Por fim, uma paradinha no Parque Treze de Maio.  É que  íamos sempre ali quando crianças, pois era vizinho a casa de uma tia dele, por sinal minha madrinha. Sempre que íamos visitá-la, brincávamos no parque que ficava ao lado. Olhávamos o laguinhos, os pássaros  e corríamos sob sua supervisão. Como os imóveis mudam de fachada, não consegui identificar mais qual era a velha casa onde morava a Madrinha Terezinha, na Rua Princesa Isabel. Pois no corredor onde ficava, hoje, só há casas comerciais. No Parque, foi cortado o bolo e cantado parabéns para assinalar o centenário de nascimento de Osman Lins. Também levei dois livros para sortear: “O Fiel e a Pedra” e “Casos Especiais”.  O primeiro por ser o que tem mais ligação com o ambiente onde ele passou a infância, a Zona da Mata de Pernambuco. O segundo, por conta da “Ilha no Espaço”, que é ambientada no Recife. Obrigada, gente, pela lembrança. No caminho, Denaldo Coelho e Emanoel Correia fizeram várias intervenções. No final, ainda no Parque Treze de Maio, Denaldo e Suzana Abreu, ofertaram um ma-ra-vi-lho-so bolo de banana, passas e nozes ao grupo. Detalhe: sem açúcar. Mas mesmo assim, delicioso.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Alexandre Trindade / Cortesia/ Bora Preservar

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4 comments

  1. Um belíssimo texto, Letícia .Imagino com deve ter sido conter a emoção ao percorrer um itinerário tão marcante para você e permeado por doces memórias afetivas do seu pai.

  2. Belo apanhado você fez sobre a caminhada que homenageou Osman Lins, seu querido pai. Infelizmente, não pude comparecer. Senti demais, acredite. Sabia que no trajeto seria falado peculiaridades que só uma pessoa que conviveu ele poderia contar. Você descreveu de forma bonita e sensível estas peculiaridades. Tem pessoas que não sabemos porque Deus as chamam para perto de si mais cedo. Osmar Lins foi uma dessas pessoas. Poderia ter produzido mais se não tivesse sido chamado precocemente. Apesar disso deixou um legado que engrandece Pernambuco e em especial você na qualidade de filha. Obrigada por ter sintetizado aqui o que foi dito sobre ele. Teve uma passagem que gostei demasiado, a comparação que ele fez do trabalho bancário com outras atividades. Pura verdade.

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