No mês passado, o Grupo Bora Preservar promoveu uma caminhada pelo Bairro de Casa Amarela. Foi interessante passar em revista os locais que marcaram a minha infância, como o Sítio da Trindade, a Igreja do Arraial, o mercado público, a antiga mercearia (que funcionava como o “supermercado” da localidade no século passado) e o Morro da Conceição. Amiga de longas datas e moradora do bairro desde criança, a jornalista Conceição Campos também fez o percurso.
Após o passeio, visitamos algumas ruas que não estiveram no roteiro. E foi quando confrontamos o que foi, e o que é agora a localidade. A paisagem de antes e a paisagem de depois. Ela lembrou a minha intervenção na “venda” (foto acima) que sobrevive no bairro. E que, no passado, era a “Venda de Seu Abelardo”, hoje chamada de “Bodega de Seu Artur“. Como sabe que morei por ali perto, o coordenador do Bora Preservar, Denaldo Coelho, me solicitou que falasse sobre a experiência da infância, de ir à “venda”. Localizada na esquina das Ruas da Harmonia com a Conselheiro Nabuco, ela é o retrato vivo da forma como as famílias abasteciam suas casas no século passado. Lembro-me, quando menina, que ia lá comprar feijão, arroz, manteiga a pedido de minha mãe. E, de vez em quando, ia até comprar o inesquecível guaraná Fratelli Vita, o único refrigerante que costumava saborear. Depois dele, nenhum mais….

Naquela época, bem perto dali, o pai de Conceição, Seu Elísio, sentia na pele o impacto da chegada do primeiro supermercado do bairro, o Comprebem, que abalou o movimento da mercearia do português. Próximo à minha antiga casa, a mercearia hoje pintada de vermelho que visitamos no passeio foi a única que resistiu à chegada do segundo supermercado do bairro. No caso, a primeira loja do Bompreço no Recife, que foi inaugurada em 1966. As outras chamadas “vendas” de bairro sucumbiram à chegada das redes gigantescas de varejo. Conceição também acha estranho que Casa Amarela tenha sido dividido em outros, pois muito do que era o antigo território do bairro hoje são bairros independentes como o Morro da Conceição. Já Parnamirim e Tamarineira denominam, hoje, partes do que no passado pertenciam a Casa Amarela. Vejam o nostálgico relato que ela enviou ao #OxeRecife.
“Fiz a caminhada com o maior prazer, por pertencer ao bairro que, apesar de dividido hoje, para mim tudo ainda é Casa Amarela. Quando você fez sua intervenção na frente da venda contando sua vivência, das compras que a família ali fazia, achei o máximo, é o tal pertencimento. Muitas pessoas estavam ali conhecendo Casa Amarela naquele momento. Mas nós somos daqui. Você falou que o Bompreço foi o primeiro grande supermercado de Casa Amarela. Mas antes dele, já havia uma outra loja de outra rede, o Comprebem. Foi o primeiro aqui na rua e quebrou a venda do meu pai. Ele até imitou o modelo de venda do supermercado, fazendo gôndolas, mas uns cinco anos depois a mercearia fechou. A rua Guimarães Peixoto (antigo Beco da Facada) era um polo comercial.
Logo na esquina do Colégio Santa Catarina, do outro lado tinha uma concorrente do meu pai, depois uma farmácia, e em seguida um armário de aviamentos e brinquedos infantis. Aí vinha a venda do meu pai. Na outra esquina, a padaria São João, que existe até hoje. Do lado contrário vinha a venda de Dona Luzinete, também de estivas. No fim da Guimarães Peixoto, esquina com a Avenida Norte, havia a Serraria de João da Mata, tinha tudo em madeiras. A residências eram lindas e todas tinham jardins, inclusive o casarão da família Pedrosa da Fonseca. E no Natal e no São João, era toda decorada para os passantes se encantarem.
Hoje, ao passar por elas me sinto um fantasma ao lembrar dos antigos moradores, cujos nomes ainda recordo: Alcides Lopes (Gerente do Jornal do Commercio); Osmar Serpa (pai da amiga Vilna); Estêvão Pinto (antropólogo da Fundação Joaquim Nabuco e colecionador de atigos indígenas que hoje estão no Museu do Estado); Nilton Maia (engenheiro, professor da UFPE); Ivanildo Batista (médico do antigo Pronto Socorro); Aluísio Araújo (dono do Colégio Osvaldo Cruz). E ainda: Aldacina Morais (dona da academia acordeon Raul Mascarenhas, que ficava em um sobrado da Rua Nova, no Centro). Lembro, ainda, do “Programa a felicidade bate à sua porta”, que corria a cidade com um palanque ambulante, e que veio parar aqui na esquina de minha casa trazendo Fernando Castelão (1924-2000), Nerize Paiva (1932-2014) e Marilene Silva (1935-2019). Na época, quase ninguém tinha telefone em casa, e todos vinham aqui ligar, pois meu pai colocou o nosso telefone 4463 no balcão de venda, como telefone público, mas as pessoas pagavam para usar”.
Na galeria abaixo, você confere fotos de Casa Amarela. E no “Leia também”, mais informações sobe o bairro e sobre o Recife Sessão Nostalgia
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Texto: edição Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins / #OxeRecife
Boa noite, Letícia
Quantas recordações você nos traz.
As da minha infância não são aqui de Casa Amarela, mas no fim é tudo igual – um retrato do nosso “tempo da inocência”.
Lembranças que nos acarinham a alma.
Obrigada pela matéria tão cheia de significados.
OBG Amiga.
Muito bom o texto!
Essa tarefa de deixar a história da cidade viva, mesmo com os avanços do modelo capitalista de vivência, é de extrema importância.
Parabéns pelo trabalho!
OBG