Livro: Jacques Ribemboim relata cinco séculos da “História dos Judeus de Pernambuco”

A partir da terça-feira (5/12) fica mais fácil entender a presença dos judeus em nosso estado. Como também decifrar a sua história, desde quando Olinda abrigou a primeira comunidade judaica das Américas, o que ocorreu ainda no século XVI.  É que nessa terça-feira (5/12), o escritor, economista, historiador e acadêmico Jacques Ribemboim estará lançando “História dos Judeus de Pernambuco”, um livro de 608 páginas, com exaustiva pesquisa que se estende até os dias atuais. A noite de autógrafos está marcada para 19h, na Academia Pernambucana de Letras, que fica no bairro das Graças.

Para contar a história – e talvez para facilitar o entendimento do leitor – Jacques criou uma periodização inédita, que provavelmente passará a ser fonte obrigatória de consultas para aqueles que se dedicam a pesquisar o assunto. Tal qual fez Salomão Serebrenick, ao dividir em oito períodos a história dos judeus no Brasil – abrangendo uma linha do tempo que vai de 1500 a 2000 – Ribemboim optou por também estruturar a de Pernambuco em ciclos, seis porém. Que vão do Ciclo da Madeira Judaica (de 1502 a 1535) ao de Novas Tendências (a partir de 2000). O primeiro é aquele em que prevalece a exploração de pau-brasil, sob a liderança de Fernão de Noronha. O último aborda o surgimento de judaísmo reformista, presença da mulher na liturgia religiosa e o fortalecimento do marranismo.

Muito bem cuidada no passado, a Praça Maciel Pinheiro era ponto de encontro de judeus no início do século passado.

Entre o primeiro período e o último, houve, ainda, outros quatro ciclos, Criptojudaísmo olindense (1535 a 1630), o Judaísmo Holandês (1630 a 1654), o Hiato de Judaísmo (1654 a 1910), o Judaísmo Contemporâneo (1910 a 2000).  Assim, fica fácil para o leitor entender desde judaísmo secreto praticado em Olinda e em outros núcleos populacionais, passando pelo apogeu da presença judaica no período holandês e por outro apogeu, a partir de 1910, com a chegada de imigrantes da Europa Oriental. Afirma Jacques que o seu novo livro tem influência direta do seu pai, Alexandre Ribemboim, que passou dez anos produzindo “Senhores de Engenho, Judeus em Pernambuco Colonial”. Como o patriarca escrevia tudo à mão e passava a limpo em uma velha máquina de datilografia, o filho se dispôs a ajudá-lo, digitando os textos. Os dois conversavam muito e o fato é que o livro fez um tremendo sucesso. Depois, pai e filho escreveram a quatro mãos: “Uma Olinda Judaica” e “Synagoga Israelita do Recife: de portas abertas”.

Jacques propôs ao pai uma terceira obra conjunta, dessa vez abordando os distintos ciclos vividos pelos judeus em Pernambuco. Alexandre não pode empreender o projeto com o filho, pois morreu em 2013. “Mas sua orientação foi determinante. Se não fosse ele, este novo livro simplesmente não existiria”. Existe sim, após pesquisas realizadas em mais de 200 livros, artigos científicos, e reunir cerca de 200 fotografias, reproduções de mapas e outros documentos. Editado pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco), o livro mostra como Pernambuco “desempenhou um papel bastante original, por ter abrigado a primeira organização comunitária israelita no Novo Mundo, tornando-se o principal palco de projeção do judaísmo transoceânico europeu no século XVII”, como salienta o autor.

Ele mostra, ainda, como a chegada dos holandeses “permitiu que o judaísmo pudesse ser praticado livremente” aqui. E como ocorreu o “hiato”, após a saída dos flamengos, com focos de sobrevivência na Paraíba e em Itamaracá. O livro faz uma grande visita a locais como a primeira Sinagoga das Américas (a Kahal Zur Israel, na Rua do Bom Jesus, no Recife Antigo) até outras mais recentes, como a que fica na Rua Martins Júnior (no Bairro da Boa Vista). Mostra as faces do antissemitismo e também o futuro  do judaísmo em Pernambuco. Também nos leva a personagens que vão da lendária Branca Dias (citada 41 vezes) à escritora Clarice Lispector;  dos comerciantes que se estabeleceram na cidade a tipos populares. Entre os primeiros, aqueles que ficaram à frente de lojas que povoam as memórias afetivas da população do Recife, como  o Magazine Quatro e Quatrocentos, Livraria Imperatriz, A Pulseira de Ouro, Casa Lux Ótica. Entre os  segundos, figuras como os Irmãos Eventos. Para facilitar mais ainda a vida do leitor, o volume traz  um índice onosmático, com nada menos de 1.600 nomes de pessoas, famílias e autores catalogados.

Veja alguns trechos da obra:

“Em um ambiente relativamente amistoso, com o donatário empenhado em povoar sua capitania, a população cristã-nova aumentaria rapidamente e Olinda passa a abrigar a primeira comunidade judaica das Américas. Todavia, sob vigilância da Inquisição, os cristãos novos haveriam de praticar o judaísmo de forma discreta ou oculta. É o período do criptojudaísmo olindense, entre 1535 e 1630, encerrado com a invasão holandesa” (página 13)

“Branca Dias de Olinda se tornou uma espécie de lenda, preenchendo o imaginário das pessoas por muitas gerações. Cumpre ressaltar a  existência de pelo menos duas homônimas afamadas, uma delas tendo vivido na Paraíba, 200 anos depois, e outra sendo personagem de um romance ficcional do século XIX, escrito por Joana Maria de Freitas Gamboa, de tradicional família recifense. No livro, a autora posiciona Branca Dias em meio à Guerra dos Mascataes, ocorrida em 1710, criando o mito de Branca Dias de Apipucos, que teria  se desfeito de sua prataria ao jogá-la no córrego do engenho, antes de ser presa pela Inquisição” (página 176)

“Nunca é de menos lembrar que por mais de 50 anos as atividades comunitárias israelitas estiveram sempre concentradas no “triângulo” da Boa Vista, cujos vértices eram o clube, o colégio e a sinagoga. Foi nesse bairro em que a comunidade judaica do Recife atingiu seu apogeu do século XX.” (p.462)

Abaixo, você confere outras publicações da Cepe.

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Serviço
Lançamento do livro História dos Judeus de Pernambuco, de Jacques Ribemboim (Cepe Editora)

Quando: 05.12.2023
Horário: 19h
Onde: Academia Pernambucana de Letras (APL), Avenida Rui Barbosa, 1596, Graças, RecifePreço: R$ 90 (preço promocional de lançamento), R$ 110 (preço pós-lançamento)

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação

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