HQ: Conheça Mundurucu, herói negro da Confederação do Equador

Compartilhe nas redes sociais…

Tradicionalmente escrita por brancos e sob a ótica dos vencedores, a historiografia oficial costuma não fazer justiça a heróis ou pioneiros negros, que passam longe dos nossos livros no Brasil.  Alguns nomes já começam, felizmente, a ser lembrados como é o caso de Manoel de Motta Lopes(1867-1910), o primeiro deputado negro do país que, aliás, era pernambucano. Quem recorda, também, quem foi Jovita Feitosa (1847-1887), a negra que aos 17 anos resolveu lutar “como homem” na Guerra do Paraguai, e ganhou posto de tenente? E o mestiço Francisco José do Nascimento (1839-1914), líder abolicionista que lutou pela liberdade dos escravizados no Ceará? O “Dragão do Mar”, como passou a ser lembrado, liderou greve de jangadeiros em 1881, impedindo a saída de navios negreiros do Porto de Fortaleza. Pois agora temos mais um personagem a acrescentar nessa ilustre e quase anônima galeria: “Mundurucu”. Já ouviu falar nele? Eu também não.

“Mundurucu” é como era conhecido o negro, ativista e revolucionário Emiliano Felipe Benício (…), pernambucano que participou da Confederação do Equador (1824) e combateu a escravidão no Brasil. Como se isso não bastasse, ainda foi pioneiro na luta contra a segregação racial nos Estados Unidos, durante o século 19, abrindo caminho para que outros negros fizessem o mesmo naquele então país racista. Claro que o herói em questão passou despercebido por muitos historiadores. E seu nome é praticamente ignorado. E tanto é assim que não há elementos suficientes para se produzir sua boa biografia. Para preencher essa lacuna e fazer justiça ao nosso revolucionário, o jornalista e historiador Paulo Santos lança na quinta-feira (13/6), o romance gráfico “Munducuru na Confederação do Equador”, pelo Selo Cepe HQ.

Desconhecida história de herói negro da Confederação do Equador é resgatada em HQ a ser lançada pela Cepe

Paulo Santos resgata história de herói desconhecido. O lançamento ocorre às 19h, na Livraria do Jardim, no bairro da Boa Vista. Santos – que é autor do sucesso editorial “A Noiva da Revolução” – foi obrigado a misturar personagens reais (como Frei Caneca) com ficção para produzir a obra, diante da escassez de fontes sobre Mundurucu.  Ele “encontrou” Emiliano Mundurucu (sobrenome adotado pelo ativista) e escreveu o roteiro da HQ há cerca de 20 anos. “Por falta de tempo e de verba, o projeto ficou na gaveta e só pôde ser finalizado agora”, comenta.  Antes tarde do que nunca. Lembra o historiador:

“Faz um bom tempo, venho me dedicando à História de Pernambuco. E, nas minhas pesquisas, encontrei essa figura fascinante, ainda praticamente desconhecida. Sabe-se muito pouco sobre Emiliano Mundurucu, inventei uma biografia para ele, mas a tentativa de expulsar os brancos de Pernambuco e as atividades nos EUA são reais. No Brasil, participou da Confederação do Equador. E, mais adiante, exilado na América do Norte, tornou-se um ícone da luta contra o supremacismo branco, por lá”.

Mundurucu é autor do processo judicial mais antigo em defesa dos direitos dos negros nos EUA, com registro em jornais da época. A ação foi movida em 1833 contra o capitão de um navio no qual ele viajava com a esposa e a filha pequena, após serem vítimas de preconceito racial. Mas antes disso, no Brasil, foi comandante do Regimento Montabrechas, formado por homens pardos (na época, as tropas eram constituídas de acordo com a cor da pele: brancos, negros ou pardos). Abolicionista radical, liderou um movimento para replicar, aqui, o que aconteceu no Haiti, em fins do século 18, quando os brancos foram todos expulsos pelos negros. O nosso herói só não conseguiu seu intento porque ocorreu algo absolutamente extraordinário, que é narrado no livro.

HQ mistura realidade e ficção para valorizar Mundurucu,  histórico  personagem do século 19 em PE

Exilado na América do Norte, tornou-se um ícone da luta contra o supremacismo branco. Os autores contam a trajetória do pernambucano que participou de atividades antirracistas no Brasil e nos EUA, inspirando vários ativistas afro-americanos, em 158 páginas de muito humor, ação e poesia. O layout da HQ é do ilustrador, caricaturista e quadrinista Eloísio Libório Melo (falecido em janeiro de 2020).  E a arte-final é de Luciano Félix. O título tem patrocínio do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura).

A publicação do livro pela Cepe Editora coincide com o ano do bicentenário da Confederação do Equador, movimento de caráter republicano ocorrido em Pernambuco, com adesão de outros Estados nordestinos, em 1824.  Os autores contam a trajetória  real do pernambucano que participou de atividades antirracistas no Brasil e nos EUA, inspirando vários ativistas afro-americanos, em 158 páginas de muito humor, ação e poesia.

O livro, com ferramenta de audiodescrição, é acessível para pessoas cegas. Vale a pena ler Mundurucu. Já li, gostei e  recomendo. Paulo Santos de Oliveira, escritor e jornalista, é autor de A Noiva da RevoluçãoO General das MassasPernambukidsPernambuco: História e Personagens (Cepe, 2021, disponível só em e-book), 1817: Amor e Revolução (Cepe HQ, 2017). Eloísio Libório Melo, multiartista, era escritor, músico, dançarino, quadrinista, caricaturista, chargista, ilustrador e programador visual. Luciano Félix é desenhista, designer, ilustrador e quadrinista, com premiação em salões de humor de Pernambuco e de Piracicaba.

Leia também
Resgate histórico: Primeiro deputado negro do Brasil era pernambucano 
Na Várzea, jaqueira lembra história de amor e vira memória de escravizada
O Grito dos excluídos por independência verdadeira no século 19: a esquecida Maria Felipa
Onà Dudu faz percurso para vivenciar caminhos da nossa raiz afro
Lugares de memória da escravidão e da cultura negra em Pernambuco em livro
Navio alemão acusado de racismo
Navio Negreiro no Barreto Júnior
Casa duplamente histórica no Poço da Panela
Paulo Santos: frenesi absolutista no Brasil e a pole position de Pernambuco
A simbiose entre a Igreja Católica e os terreiros
Mês da Consciência Negra: Começa a Semana Afro Daruê Malungo
Terça Negra tem edição especial com cultura afro e manguebeat
Contra as práticas de branqueamento
Eduardo Ferreira lança Coleção Alafia na abertura do Muafro
Erê Mukunã: a beleza da negritude
Museu da Abolição: acervo material africano ganha catálogo inédito
“A África que persiste em nós”
Lia da Ciranda, a Rainha da Ciranda será homenageada em duas escolas de samba, em SP e RJ
Semana da Consciência Negra: Daruê Malungo movimenta o Recife e Olinda
Mês da Consciência Negra:  desfile, palestras, igualdade racial
Ervas sagradas ganham sementeiras
Bahia tem ritual de paz e respeito à liberdade religiosa
Baobás de Pernambuco são sacralizados na Bahia
Trio expert em baobá, a árvore da vida
A árvore do esquecimento
Cortejo religioso em Salvador
Pipoca é alimento sagrado?
Ojás contra o racismo religioso
Pai Ivo de Xambá vira Doutor Honoris Causa
A sabedoria ancestral da Griô Vó Cici
A herança afro na música brasileira
Sítio Trindade tem gastronomia afro
Festa para São João e Xangô
Católica bota Xangô na ordem do dia
Qual o mal que lhe fez Yemanjá?
Michele Collins entre a mobilização e a pressão dos terreiros
Preconceito religioso tem reparação
Inaldete Pinheiro ganha homenagem
Uana Mahim: Sou preta, negra e fera
Moda Preto Soul: Viva a negritude!
Dia da Consciência Negra: Dicas de leitura
De Yaá a Penélope africana
Nação Xambá, 88 anos de residência 
Resgate histórico: Primeiro deputado negro do país era pernambucano
Na Várzea, jaqueira lembra escravizados e vira memória de história de amor
Árvore do esquecimento é lembrada
História da Cruz do Patrão
Casa duplamente histórica no Poço da Panela
Não perca a viagem ao passado com Debret
Turismo com consciência negra
O grito dos excluídos por independência verdadeira no século 19 e a esquecida Maria Felipa
Joana, a única mestra de Maracatu
Nego Henrique oferta oficina de percussão
Dia da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha
Expô sobre terreiros termina na terça
Alexandre: Juremeiro e mestre
Jurema sagrada vira exposição
Depois de arrebatar 75 prêmios, Cor Púrpura faz temporada no Teatro do Parque
Em pernambuco, negros e pardos são as maiores vítimas da violência
Conceição das Crioulas no Poço das Artes
Cozinhando história: Saberes, mitos e orixás na culinária afro-brasileira
História de Burkina-Faso com François

Serviço
O que: Lançamento de Mundurucu na Confederação do Equador, com bate-papo entre Paulo Santos, Luciano Félix, o jornalista e escritor Homero Fonseca, o historiador George Cabral e Liliane Tavares
Quando: 13/06 (quinta-feira)
Hora: das 19 às 21h
Onde: Livraria do Jardim, Avenida Manoel Borba, 292, Boa Vista, Recife
Entrada gratuita
Preço: R$ 70 (impresso) e R$ 35 (e-book)

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Leopoldo Conrado /Divulgação / Cepe

One comment

  1. Muito interessante a história de Mundurucu, Letícia! Não conhecia e algo realmente desconhecido da maioria das pesssoas. Excelente seu relato que deixa na gente aquele gostinho de querer conhecer a obra. Excelente!

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.