Quem se lembra da música de Ivanildo Vilanova e Bráulio Tavares, O Nordeste Independente? Há um trechinho, que ela diz assim: “Imagine o Brasil ser dividido / e o Nordeste independente/ dividido a partir de Salvador/ o Nordeste seria outro país / vigoroso, leal, rico e feliz/ sem dever nada a ninguém no exterior./ Jangadeiro seria senador/ o cassaco da roça era o suplente/ cantador de viola o presidente/ e o vaqueiro era o líder do partido”. Não, o Nordeste não é separatista.
A música, que virou um clássico do nosso cancioneiro, é apenas uma licença poética à qual se concederam dois gênios da cultura de nossa região, tida como uma legião de analfabetos, para o Presidente Jair Bolsonaro. Provavelmente ele não sabe quem foram Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Osman Lins, Ariano Suassuna, Gilberto Freyre, Joaquim Nabuco, Oliveira Lima, Ruy Barbosa, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Josué de Castro. Também desconhece quem foi Patativa do Assaré e quem é J. Borges. Nunca ouviu falar de Ronaldo Brito, Raimundo Carrero. Temos Lula Cardoso Ayres, Cícero Dias, Vicente do Rego Monteiro, João Câmara, nas artes plásticas, para citar apenas alguns. E nossos cineastas, cientistas, juristas, toda comunidade acadêmica, e os experts da Tecnologia da Informação?
Além dos famosos da Literatura e das Artes Plásticas, o Nordeste é um “país” rico, diverso, caleidoscópico quando o assunto é cultura. Só o Bozó que não vê isso. Ele não sabe o que são maracatu ( de baque solto ou de baque virado), ciranda, literatura de cordel, violeiros, cantadores, frevo, capoeira, xilogravura, manguebeat. Não conhece nossos artistas. De Luiz Gonzaga a Alceu Valença, de Capiba e Nelson Ferreira ao Maestro Spok, de Chico Science a Lia da Ciranda. Tem mais: Caetano Veloso, Maria Betânia, Ivete Sangalo, João Gilberto, Dorival Caymmi, Jackson do Pandeiro. Tudo nordestino. Não, Bolsonaro não sabe nada do Nordeste. Quando vem ao Sertão, no entanto, não hesita em botar na cabeça um chapéu de couro. Demagogia pura, já que é um povo que ele renega. E abriu os ouvidos para a música nordestina, quando o ex Ministro Gilson Machado tocou sanfona para ele no São João de Caruaru. Será que Bozó sabe o que é baião, xaxado, forró?
Em uma de suas últimas visitas ao Nordeste, no município sertanejo de Petrolina (PE), Bolsonaro montou em um touro para dizer que é peão, macho, corajoso, identificado como Nordeste. Mal sabia ele que o nordestino tem simpatia e carinho mesmo é pelo jegue. Touro e jumento à parte, o pior é que seus seguidores e eleitores vão nessa onda xenófoba e racista. Como a advogada Flavia Aparecida Rodrigues, que postou nas redes sociais o preconceito descarado contra os nordestinos. Contra o Nordeste. Ainda bem que a OAB se disse “constrangida e envergonhada” com a atitude da colega, que foi exonerada da Vice-Presidência da Comissão da Mulher Advogada da OAB de Uberlândia, onde ela reside. Nos últimos dias, são frequentes nas redes sociais depoimentos de pessoas tão sem noção quanto o Bozó falando barbaridades contra os nordestinos. Pois tá, nós, nordestinos, temos orgulho de nós mesmos. De nossa cultura, de nossa resistência, da nossa resiliência, de sermos fortes. Nós não temos preconceito contra nossos irmãos brasileiros de outras regiões. Ao contrário, hospitaleiros que somos, sempre os recebemos de braços abertos.
O Nordeste tem 27 por cento do eleitorado brasileiro. Um eleitor que se posiciona contra o bolsonarismo, conforme as urnas mostraram no dia 2 de outubro. Aliás, bolsonarismo não. Como diz o teólogo Leonardo Boff, não devemos usar essa expressão. “Bolsonaro não tem estofo teórico para fundar um movimento. É iletrado demais e sem qualquer pensamento que valha a pena. Devemos chamar, como na na Itália e na França, de “extrema direita” ou “fascismo tropical”, diz ele. Ah, outra coisa. 8 de Outubro é o Dia do Nordestino. E, nas redes sociais, eleitores de um nordestino, já começaram a convocar. “Vamos subir a hashtag #NordesteComLula.
Bem feito, não é? Quem mandou ofender os nordestinos?
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Acervo #OxeRecife e #Achoépouco