Não é novidade para ninguém – principalmente para quem gosta de história – a saga dos judeus que moravam em Pernambuco e que, com o fim do domínio holandês em terras nordestinas, decidiram buscar novos horizontes em outros lugares. E o fizeram em 16 navios que lhes foram colocados à disposição pelo então General português Francisco Barreto de Menezes.
Pretendiam retornar a Amsterdã, onde a tolerância com a religiosidade judaica era maior. Eram 600 judeus, homens, mulheres e crianças. Porém um grupo que embarcara no navio Valk, enfrentou tempestade no Mar do Caribe, sobreviveu a um naufrágio e até a ataque de piratas. Os 23 judeus que resistiram a tantas intempéries, decidiram desembarcar na colônia holandesa mais próxima, a Nova Amsterdã, na América do Norte, após uma viagem que durou seis meses.
Chegaram a Manhattan “endividados e sem recursos” onde tentaram “recomeçar uma nova vida gradativamente”, conforme lembra a historiadora Anita Novinsky, que foi professora emérita da Universidade de São Paulo (USP) e uma das maiores autoridades do país em história do povo judeu. Segundo ela, “o papel que os judeus convertidos representaram em Nova Amsterdã foi considerável nas áreas que atuaram, no desenvolvimento do mercantilismo, nas relações comerciais, na cultura, na saúde, nas leis”. Enfim, em tudo. Nova York não seria a mesma sem eles. É exatamente do que trata o livro “Do Recife para Manhattan, os judeus na formação de Nova York”, que a historiadora Daniela Levy está lançando às 10h da quarta-feira (28 de maio), durante o terceiro Congresso Internacional de Judaísmo e Interculturalidade: História e Transculturalidade. O lançamento ocorre na sala 10 do Recife Expo Center, que fica no Cais de Santa Rita, 156, em São José.
São José se localiza na área central do Recife. A publicação é uma iniciativa da Cepe (Companhia Editora de Pernambuco), e o livro custa R$ 80. Por enquanto, só há edição impressa. A autora é doutora em História Social pela USP, coautora do livro “Os judeus que construíram o Brasil”, organizadora do livro “A luta inglória do Padre Antônio Vieira”, de Anita Novinsky (1922-2021). Além disso, ela tem vários artigos publicados sobre Inquisição, cristãos novos e antissemitismo, publicados no Brasil e no exterior. Como curadora, já esteve à frente de diversas exposições relacionadas à Inquisição, ao Brasil colonial. É palestrante e professora de História. Em 2018, ela havia publicado a primeira edição do mesmo título agora revistado e publicado pela Cepe.

Para escrever o livro – de leitura leve e deliciosa, diga-se de passagem – ela passou quatro anos pesquisando em arquivos dos Estados Unidos, Brasil e Israel. Ratificando o que diz Novinsky na apresentação, Daniela afirma que os semitas levaram na bagagem “uma enorme criatividade, tanto no campo da medicina, como da literatura, linguística, ciências humanas e naturais”.
Entre os exemplos de competência dos refugiados, ela cita Asser Levy que manteve boas relações com a comunidade protestante de Manhattan devido ao seu espírito de liderança e diplomacia. Asser denomina, hoje, Praça, Centro Público Recreativo, tem monumento em sua homenagem (na foto vertical) e a história da Estátua da Liberdade está indiretamente a ele ligada. É que uma de suas descendentes, Emma Lazarus, tornou-se defensora de novos imigrantes, envolveu-se em grandes causas e vendeu parte dos seus escritos para a construção do pedestal onde ficaria a estátua.
Seu poema “Colossus” foi afixado na base do monumento: “Dê- me seu cansaço, sua pobreza/ sua aglomerada massa anseia por respirar liberdade/ O miserável recu sa sua costa fervilhante/ enviem-me os desabrigados/ Eu levantarei minha lamparina além da porta dourada”. Comecei a ler o livro de Daniela e, desde então, não consegui parar. Para nós, pernambucanos, o livro desperta um interesse duplo: é que além da épica viagem dos 23 judeus que saíram do Recife e chegaram a Manhattan, ela fala muito na presença do nosso açúcar nos interesses econômicos de portugueses, holandeses e dos judeus. Ainda estou na página 54, e já me defrontei com a palavra “açúcar”, o ouro branco de então, nada menos de oito vezes. Vejam o que está escrito na página 30, sobre a capilaridade da rede operada por judeus em torno do então disputado açúcar produzido em Pernambuco.
“Um exemplo dessa rede era a família Milão. O patriarca era um cristão novo português que se encontrava baseado em Portugal, enquanto dois de seus filhos estavam em Pernambuco, e seu cunhado, em Amsterdã. Os filhos mandavam o açúcar para o pai em Portugal, que encaminhava o produto para o cunhado em Amsterdã, e este refinava e distribuía para o restante da Europa. Economicamente, os judeus representavam uma parcela importante da sociedade, já que 13 por cento dos depositantes do Banco de Amesterdã pertenciam à comunidade.”
As informações da edição anterior foram atualizadas. Tanto que na publicação da Cepe, ela já fala nos achados arqueológicos no bairro do Pilar, no Recife, em 2022. São ossadas que estão em estudos por várias instituições e sobre as quais suspeita-se de que no local pode ter funcionando um cemitério judeu. Pois os esqueletos encontrados estão em condições que seguem a respectiva lei religiosa, a Halacha. Ou seja, é informação que não acaba mais. E cada uma, melhor do que a outra.
Nos links abaixo, informações históricas sobre temáticas relacionadas com os judeus e com o período flamengo, em que a comunidade judaica tinha maior liberdade religiosa no Brasil.
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Serviço:
Lançamento do livro “Do Recife para Manhattan: os judeus na formação de Nova York”, de Daniela Levy
Quando: Quarta-feira, 28 de maio de 2025 (durante Congresso Internacional de Judaísmo e Interculturalidade
Horário: 10h
Onde: Recife Expo Center (sala 10)
Endereço: Cais de Santa Rita, 156, São José, área central do Recife
Preço do livro: R$ 80
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Daniela Levy e reproduções de pinturas de Petrus Schenck (de 1671) e Johannes Vingboons (de 1664)

E um tema que me interessa bastante e,sabendo do excelente curriculum da Daniela Levy sobre judaísmo e pesquisa referente ao deslocamento dessa comunidade de Recife para Nova York, tenho certeza que é um grande livro.
Vai pra minha lista de aquisição!