Entre a torá, o corno e o marido traidor

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No último sábado, depois do show de Almério, fui assistir uma peça que, há um bom tempo, pretendia ver. Era a última encenação de Senhora de Engenho entre a Cruz e a Torá, no circuito contemplado pelo Funcultura e através do qual a peça andou por cidades do Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Não me arrependi. De parabéns, a Companhia Popular de Teatro de Camaragibe. O grupo comandado por Emanuel David D´Lúcard resolveu levar ao palco a saga de Branca Dias, uma das fascinantes personagens da história de Pernambuco do século 16. Judia, Branca Dias foi denunciada pela irmã e pela mãe, e acabou nos cárceres da Santa Inquisição, em Portugal. Com sete filhos, dos quais dois eram deficientes, conseguiu convencer os seus algozes de que necessitava cuidar das crianças. E obteve a liberdade. Decide, então, vir para o Brasil, onde já estava o marido, Diogo Fernandes.

Ao desembarcar em Pernambuco, descobre que ele havia constituído outra família, no engenho Camaragibe, que recebera da Coroa Portuguesa. Ela manda a rival e a filha para uma casa do marido, em Olinda, e passa a cuidar do dele e dos filhos, inclusive perdoando a traição. Com a crise financeira instalada, convoca a ex- amante do marido para ajudar no engenho. E funda uma escola para meninas, que, naquela época, não tinham acesso à educação formal. Para tanto, convida o amigo Bento Teixeira (autor da Prosopopeia, publicado em 1601), que era mais experiente na área de educação. Bento, além de educador e poeta, parece ter sido o primeiro corno oficial da história de Pernambuco, uma vez que sua mulher o traía sempre, até com um padre. O fato é abordado na peça de forma jocosa. E leva o público às gargalhadas.

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Pois com sua escolinha, Branca se capitaliza e consegue erguer o engenho. Mas o marido adoece, morre e ela assume o comando da propriedade. A senhora de engenho não nega o judaísmo e sua casa vira local de exercício de sua fé, que repassa a família. A história  é de valentia, de mulher à frente do seu tempo. O grupo de teatro contou com a assessoria da historiadora Suzana Veiga, que tem dissertação de mestrado em Branca Dias e fez um resumo da sua  saga, situando-a no contexto histórico do Brasil colonial. Providência super legal.

Apesar dos recursos simples, Entre a Cruz e a Torá não deixa nada a dever a grupos maiores de teatro. A peça tem um bom texto, boa direção, emoção, bons atores,  dedicação e muita fidelidade histórica. E lança mão de recursos cênicos bem criativos, como o momento em que o engenho sofre um incêndio. Muito bom, mas muito bom mesmo. Tanto que o grupo foi chamado para fazer a encenação no Chile. E foi.O Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro, estava lotado.  A Companhia Popular acaba de receber convite da Prefeitura do Recife para levar a encenação às escolas da Rede Municipal . Tomara que aconteça. É bom para um melhor conhecimento da história de nosso Estado.

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação

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