Abastecimento: Dois séculos depois, cenas de rua lembram as de “Debret”

Durante a semana, o Governador Paulo Câmara (PSB) esteve no Sertão, onde anunciou Investimento de R$ 1,6 milhões em obras de abastecimento, para beneficiar cinco comunidades rurais dos municípios de Afogados de Ingazeira, Tabira, Iguaraci e São José do Egito, devendo levar água a cerca de 4 mil pessoas. Água é tudo que se precisa… Se, antes de viajar, ele tivesse circulado pela Zona Norte do Recife, se depararia com cenas iguais aquelas que a gente costuma ver na caatinga, durante as estiagens: caminhão pipa abastecendo prédio, gente carregando cano para furar poço e pessoas nas ruas com baldes em busca de… água. E isso em plena metrópole, no século 21.

Lembrei, então, de uma frase dita pelo pai, em sua última visita ao Recife, pouco antes de falecer, em 1978. Eu morava em Casa Forte, e ele viu várias pessoas passando na rua carregando baldes, latas. “Essas cenas lembram Jean-Baptiste Debret”, disse ele, referindo-se ao artista que retratou o cotidiano do Brasil do século 19, e em cujos quadros aparecem pessoas carregando água sobre os ombros. Cenas que voltam a ser vivenciadas em pleno século 21. No sábado, saí para caminhar por bairros como Apipucos, Monteiro, Casa Forte. E vejam, abaixo, as cenas que encontrei. Sem água nas torneiras desde o dia 1 de agosto, várias pessoas aguardavam, com baldes,  a vez de arranjar água para levar para o uso doméstico.

A Compesa não enviou pipa para socorrer a população, principalmente os mais necessitados. A salvação do bairro era uma torneira no Parque Apipucos. “Minha vida está um sufoco, pois minha mãe está internada no Hospital Magalhães e todos os dias vou buscar a roupa dela para lavar, e sem água fica difícil”, reclama o pedreiro desempregado Severino Vicente da Silva. Cosma Gomes da Silva Costa e a sobrinha, Carol Gomes da Silva, também estavam na rua em busca de água. Os três residem na comunidade do Areal, à margem do Rio Capibaribe, à altura do Quartel do 11º Batalhão da PM.  Poluída, a água do Capibaribe não serve para consumo doméstico. Teve família que gastou R$ 10 por lata d´água, que durante esses dias passou a ser vendida em  domicílio. A Compesa informou inicialmente que o colapso se devia a um conserto, porém disse que a água chegaria na última quinta-feira, dia 5. Depois, adiou  para a próxima terça-feira, dia 10.

Na madrugada do sábado para o domingo, no entanto, apareceu água nas torneiras inclusive com pressão. Mas depois sumiu de novo. Comentando com amigos a “seca” em  quase dez bairros daqui da área, descobri que em alguns locais do Grande Recife o problema é  permanente. Amigo meu residente no Janga, informa que na casa dele a água costuma faltar até por uma semana e que, quando chega, é com pressão tão fraca que não há como encher os reservatórios da casa. Sinceramente, acho muito triste vivermos em uma situação onde, apesar dos nossos impostos tão caros, não tenhamos direito a serviços tão elementares como abastecimento regular de água e saneamento básico, sem o qual nossos rios, canais, lagoas e até algumas praias se transformam em esgotos a céu aberto.  Chuva foi só o que não faltou neste inverno em Pernambuco. Viver sem água, não dá. Ainda mais, em tempos de pandemia, quando a gente precisa lavar as mãos o tempo todo e higienizar todos os produtos que chegam da rua.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins / #OxeRecife e Heudes Régis/ SEI

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