Há quatro anos, denunciei aqui nesse espaço a situação do chalé datado do início do século passado (1923), que funciona como sede do Ibama no Recife. Ali, na Avenida Dezessete de Agosto, no bairro de Casa Forte. Situado no número 1057 daquela via, trata-se de edificação classificada como IEP (imóvel especial de preservação), devido à sua importância arquitetônica. E que, portanto, deveria estar bem cuidado e não parecendo uma casa mal assombrada e em ruínas, sendo devorada pelos cupins.
Infelizmente, desde então, a situação do bonito prédio só fez piorar. Caíram todos os lambrequins que ornamentavam todo o telhado e janelas, a madeira do alpendre está cada dia mais carcomida de cupins, há lonas cobrindo parte do casarão para protegê-lo de infiltrações. Ou seja, uma tristeza. Porque volto a falar dele? Nesta semana, a coleguinha Terezinha Nunes, do Blog Dellas, recebeu um comentário indignado do médico Carlos Romeiro, residente em Casa Forte, e que costuma caminhar ou correr por ali todas as manhãs. Como a política é o foco maior do seu espaço, enviou a demanda para mim, já que vivo de olho nas mazelas da cidade.

Durante o Cooper diário, o médico costuma fotografar edificações antigas que encontra no caminho. Foi o que fez ao observar a beleza do antigo chalé. “Ele disse que ficou tão impactado, que achou que o prédio estava abandonado, mas o vigilante disse que não, que o Ibama continua funcionando no local”, confidenciou Terezinha. Enviei, então, o link da matéria publicada em 2021, quando o chalé já acusava aparência de completo abandono. A situação, no entanto, só fez piorar, conforme mostram as fotos recentemente realizadas pelo médico e também por essa escriba aqui.
Sinceramente, se o Ibama cuida da natureza como da própria sede, vai mal a situação de nossa fauna, da nossa flora e de outros recursos naturais. A situação do chalé é um péssimo cartão de visitas para qualquer repartição pública. Se a gestão não consegue cuidar da própria sede, como vai cuidar de um bem muito maior, imenso, que é a natureza? Telefonei várias vezes para o Ibama, a fim de saber se há restauração prevista do casarão, mas o telefone não atendeu. Também passei lá em frente, hoje, e vi que as portas de entrada, junto ao alpendre estavam fechadas. Nas laterais do casarão, situação é ainda pior. No início do século passado, o chalé Sant’ Anna foi ocupado por Richard Patrick Conolly, cidadão de origem britânica que escolheu o bairro de Casa Forte para residir com a família. Naquela época, era comum que ingleses morassem em Casa Forte, Poço da Panela, Monteiro, Apipucos.
Esses bairros eram muito arborizados e tinham clima mais ameno do que os outros do Recife, atraindo estrangeiros europeus, principalmente britânicos que trabalhavam em companhias como as de abastecimento, de eletricidade, linhas férreas, telégrafos. O Capibaribe era então um rio cristalino, e chegava a ser usado para lazer e banhos noturnos nos tempos de calor.
Em 2021, época em que o Governo federal tinha horror à natureza e um Ministro que pensou em usar o isolamento social da pandemia para “passar a boiada” contra a Amazônia, julguei que a sede do Ibama caindo aos pedaços, fazia parte da estratégia de desmonte do órgão fiscalizador. E agora, como explicar uma situação dessa quando a pasta é liderada por uma ambientalista internacionalmente respeitada, a ex-seringueira Marina Silva? Realmente, para o velho chalé chegar à situação precária que chegou, devorado por cupins é porque há décadas que ninguém cuida dele. O chalé é um IEP entre os mais de 40 que ficam no bairro de Casa Forte. Então, é bom fiscalizar, para não deixar cair. Para que não aconteça com ele o que já ocorreu com outros igualmente charmosos chalés, que foram derrubados nas caladas da noite, levando com eles um pedaço da memória da cidade, para ceder espaço a espigões.
É triste demais, ver um prédio tão bonito desse jeito. Até cordões foram amarrados no alpendre, para evitar que alguém despenque lá de cima, já que a proteção de madeira se acabou. Se o cupim já comeu toda a madeira, a ferrugem vai oxidar já já os gradis de ferro.
Embora com arquitetura sob influência europeia, os chalés que existem no Recife proliferaram no início do século passado, quando produtores rurais começaram a se radicar na capital, onde queriam desfrutar do mesmo conforto que tinham nas casas grandes do interior. Os chalés eram amplos e arejados, possuíam alpendre, quintal e jardim. Normalmente ostentavam grades de ferro ornamentando seus muros e abusavam da madeira como elementos decorativos, inclusive em lambrequins – que davam uma graça toda especial aos imóveis. No Recife há outro chalé que está perdendo os lambrequins, é aquele que fica no Sítio da Trindade, em Casa Amarela, que é um local histórico.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins / #OxeRecife e Carlos Romeiro / Cortesia
Lamentável Letícia o que acontece com Chalé Sant’ Anna. Esse descaso vem de muito tempo e a cada dia fica pior. Acredito que estão esperando desabar para construí um novo e grande prédio. Tristeza