“Ditadura e tortura pertencem ao passado”; “Estado Democrático de Direito, sempre!”; “Viva a democracia”. Quando comecei minha vida de repórter, os jornais viviam sob censura. Não podíamos escrever palavras como “camponês” e “Dom Helder Câmara” (então Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife) em nossas matérias. Porque para os censores da ditadura, o substantivo comum e o próprio cheiravam a “subversão”. Também éramos chamados, várias vezes, por órgãos ligados à repressão para noticiar “suicídios”, que ocorriam nas masmorras comandadas pelos militares que mandavam no país, naqueles tempos tão obscuros e pesados.
Depois, cobri eventos como a campanha pela “anistia ampla, geral e irrestrita (década de 1980), a das “diretas já” (1983), a movimentação em defesa da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte (entre os anos 1970 e 1980), a frustração do Brasil com a morte do Presidente Tancredo Neves (1983), escolhido em eleição indireta, porém com o compromisso de levar o Brasil à normalidade democrática. E por fim, todas as eleições presidenciais, depois da redemocratização. Exceto a última, em que foi eleito o ex-capitão que tantos retrocessos impôs ao Brasil, sendo o pior deles as tentativas deslavadas de golpes contra a democracia. Por esse motivo, posso dizer que hoje foi um dia marcado por muita emoção e orgulho de ser brasileira. Um dia histórico na vida do país, que já vem sendo chamado pelos comentaristas políticos de o “Dia do Fico da Democracia”. E viva ao poder que emana do povo!
Ao ver, de casa, as leituras de cartas em favor do estado de direito (na Fiesp e na USP), confesso que me arrepiei várias vezes, na frente da TV. Da mesma forma que me arrepiava, ao ver o povo nas ruas, no século passado, gritando “diretas já”, “abaixo a ditadura” e “anistia”. Senti a mesma emoção, confesso. E também orgulho de ver juristas, professores, estudantes, empresários, atletas, artistas ganhando as ruas em defesa da democracia, conquistada a tão duras penas pelo povo brasileiro, que foi às ruas no passado também para protestar contra a ditadura. Em 1977, no mesmo histórico local, em carta lida aos brasileiros, em São Paulo, juristas pediram o restabelecimento do estado de direito e denunciaram abusos antidemocráticos. Vivíamos um obscuro estado de exceção, em que assistíamos cidadãos sumirem, perderem empregos e cargos, mandatos. Alguns são desaparecidos até hoje. Outras vítimas foram encontradas, com os sinais de barbárie que vivíamos. Como foi o caso do Padre Henrique Pereira Neto, então assessor do Dom da Paz, tão temido pelos militares daquela época e hoje às vésperas de virar Santo, em processo instaurado lá no Vaticano. Com tantas tradições libertárias, o Recife não poderia ficar de fora das manifestações de hoje. Elas aconteceram na histórica Faculdade de Direito (no Centro), na UFPE (no campus, Cidade Universitária), e há uma outra organizada pelos estudantes, para hoje à tarde, saindo da Rua da Aurora.
A Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa da democracia e do estado de direito foi lida em pelo menos treze estados no país. Pelo visto, o Brasil não quer mais viver tempos de ditadura, exceção, tortura. Quem viveu naquela época, sabe o que sofreu. Mas o ex-capitão que comanda esse país e quer renovar o mandato, diz que não houve ditadura nem tortura no nosso “Patropi”. E se ele desconhece as duas tragédias políticas que o país viveu por tantos anos, dá a entender que aquelas são a base da “democracia” que ele defende. Aliás, a “democracia” da cabeça dele. Até porque, a excrescência que governa o Brasil atualmente não tem feito outra coisa a não ser tentar desmoralizar as instituições democráticas. Como os nossos tribunais e o mundialmente respeitado sistema eletrônico de voto (pelo qual ele já disputou várias eleições, sem contestar o método). A população parece estar cansada de ver o mandatário do país defendendo retrocessos, interesses da bancada da bala e das milícias. Isso sem falar na destruição de nossas matas, na tolerância à ação de grileiros e madeireiros e na perseguição aos povos indígenas e religiões ancestrais. Para o Presidente, o documento lido hoje em todo o país, e que está perto de atingir 1 milhão de assinaturas é uma “cartinha”. Uma “cartinha”, aliás, muito maior do que o tamanho da “democracia” por ele idealizada. Até lembra a célebre frase de Luís 14, o Rei Sol, aquele que dizia: “O Estado sou eu”.
A democracia, aliás, somos todos nós. Viva a democracia” Fora Bolsonaro!
Veja o vídeo da manifestação na FDR.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos e vídeo: Maria Júlia Wanderley Pereira / FDR/ Cortesia