No Brasil de Moise e Durval, a falta que faz o Dom da Paz

Nesse Brasil, onde se vive dias de barbárie e no qual se mata por quase nada, não custa lembrar a figura santa de Dom Helder Câmara que, se vivo fosse, estaria completando 113 anos na segunda-feira (7/2). E como faz falta a palavra do Pastor, para levar um pouco de luz à mente daqueles que vivem do ódio, defendem o armamento ou que banalizam a violência. Os casos recentes do congolês Moise Kabagambe e de Durval Teófilo Filho, barbaramente assassinados no Rio de Janeiro, estão aí para mostrar que a paz na sociedade e na alma das pessoas está longe de chegar.

E que ao contrário do que apregoa o governo do ex-capitão, arma – principalmente de fogo- serve muito mais para matar os indefesos do que para o cidadão de bem se defender. No nosso país, cada vez mais violento e de banalização da morte,  palavras como as  do ex Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife (1909-1999),  fazem muita falta.  Ele ficou conhecido no mundo como Dom da Paz, pela sua luta contra as armas, as prisões arbitrárias, a tortura, as ditaduras, inclusive a brasileira, implantada em 1964, quando a imprensa não tinha o direito, sequer, de citar-lhe o nome ou publicar qualquer pronunciamento seu. Mas ele nunca desanimou. Dizia que depois da escuridão da noite, vem a luz da madrugada.

Dom da Paz (D),que completaria 113 anos amanhã, foi alvo de revogaço juntamente com Miguel Arraes (E)

Por ser um homem de bem, que lutou em favor dos pobres, dos indefesos e da paz, e que não  usava a palavra ódio no seu “dicionário”, Dom Helder acaba de ser alvo de um revogaço liderado pelo ex-capitão, em que extinguiu 25 decretos de luto oficial editados por seus antecessores na presidência. Isso em um momento em que o Vaticano examina documentação que pode transformar o Dom em Santo. Mas para quem pratica o ódio, não merece memória os que lutaram pela paz (de Pernambuco, o ex-Governador Miguel Arraes, foto), também foi excluído.

No Brasil, tivemos dois casos bárbaros recentemente, que ganharam os jornais do mundo: o assassinado de duas pessoas negras. O congolês, a pauladas, como se mata um bicho raivoso que tenta atacar no meio do mato. O brasileiro, simplesmente porque procurava a chave de casa na bolsa.  Moise perdeu a vida no quiosque onde trabalhava, por ter ido cobrar R$ 200, que segundo a polícia lhe eram devidos pelos patrões.  No sábado, houve protestos em várias cidades brasileiras, inclusive no Recife (foto acima), contra o brutal assassinato do congolês.

Moise veio morar no Brasil, em busca de paz. Isso porque a família temia pela vida no país onde nasceu, conflagrado pela guerra. Durval voltava para casa e ao chegar perto do condomínio foi baleado por um sargento da Marinha (Aurélio Alves Bezerra), por achar que o vizinho fosse um assaltante.

Em meio à barbárie, palmas para quem defendeu a paz e para todos aqueles que lutam por ela. E zero para os CACs da vida, os certificados de caçador, atirador e colecionador que permite a qualquer um ter armas em excesso no Brasil. E que tem mesmo é facilitado ao mundo do crime o acesso a elas. Lembram do caso Vítor Furtado Lopes, preso com um verdadeiro arsenal que deveria ser vendido a facções criminosas do Rio de Janeiro?  Ele tinha  a famigerada licença emitida pelo Exército, a CAC, cujas regras foram flexibilizadas no governo Bozó. A “coleção” apreendida pela polícia constava “somente”de 26 fuzis, 21 pistolas, três carabinas, dois revólveres, uma espingarda 12,  um rifle e um mosquetão. E mais mais de 10 mil munições.  Isso o que foi apreendido. E o que não foi, que ninguém sabe por onde anda…

Por aí, já para perceber a quem a tolerância do CAC está servindo. Arma gera violência, violência gera mortes. E o que o Brasil precisa é paz. Não de ódio. Os 113 anos de Dom Helder não serão comemorado em público devido ao aumento de casos na pandemia, mas sim na forma virtual no canal do Instituto Dom Helder Câmara, no YouTube.  Se fosse na rua, iríamos todos agitar nossas bandeiras brancas. Viva a paz! Viva o Dom da Paz, que nunca teve ódio no coração.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Genival Paparazzi / Cortesia e Instituto om Helder Camara / Acervo #OxeRecife

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