“Batalha dos Guararapes”, de Francisco Brennand: degradação e tombamento

Entregue à própria sorte, em processo de degradação e tendo chegado a servir até de escora para material de construção, como noticiamos aqui em fevereiro deste ano, o Mural “Batalha dos Guararapes”, de Francisco Brennand, finalmente  pode ter um destino melhor. É que o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Histórico de Pernambuco acaba de decidir pelo seu tombamento, por unanimidade dos seus membros.  O mural passa a ter status de  Patrimônio Cultural de Rigorosa Preservação de Pernambuco, assim que a posição do Conselho for homologada pelo Governador Paulo Câmara (PSB).

A decisão do Conselho foi postada nas redes sociais pelo Presidente da Fundação Joaquim Nabuco, Antônio Campos. É que o pedido de tombamento havia sido feito pelo escritor, na época em que  presidia o Instituto Escritor Maximiano Campos. O processo foi relatado pela arquiteta e Conselheira Nazaré Reis, que em  parecer bem fundamentado e ilustrado, mostrou a importância do gigantesco painel (que tem 32 metros e meio de comprimento por dois metros e 30 centímetros de altura, distribuídos em  720 peças.), não só do ponto de vista estético mas também pelo que representa, sobre fato tão marcante de nossa história.” Diz ela:

“Numa perspectiva plástica despojada, a simplificação das imagens e exaltação da bravura patriótica, buscando despertar um efeito moral e de orgulho, sentimento de nação e percepção da miscigenação  da raça brasileira. Os  patriotas com a bandeira da república. Não havendo espaço de leitura que possibilitasse uma visão de profundidade, ou ponto de fuga como em um quadro, a obra foi concebida  para ser revelada à medida do caminhar do transeunte, como a leitura de um gibi . As cenas da batalha se sucedem divididas por ramas de bananeiras, cana, milho ou coqueiro, possibilitando uma leitura de história em quadrinhos”

Ela descreve todas as cenas representadas no mural, inclusive aquela em que o artista “retrata nosso povo, branco, negros e índios, armados de paus e pedras,  espadas e carabinas, chapéus emplumados”. E ressalta: “A narrativa da esquerda para a direita com os nossos comandantes a cavalo, impelindo os figurantes em direção ao mar”. Lembra, ainda, o acelerado processo de degradação sofrido pelo mural,  devido à falta de manutenção, pichações e sujeira.

Agenor Tenório, do Grupo MeninXs na Rua, fez esse flagrante , devidamente registrado aqui no #OxeRecife

O  painel Batalha dos Guararapes fica na Edifício Tiradentes, na Rua das Flores, Bairro de Santo Antônio.  Foi confeccionado entre 1961 e 1962.  O mural, sobre fato tão importante da nossa história,  além da assinatura de Brennand, tem textos assinados por Ariano Suassuna (1927-2014) e César Leal (1924-2013). No início deste ano, o #OxeRecife denunciou a situação em que o mural de Brennand estava relegado. Inclusive com fotos e palavras de repúdio de um companheiro de caminhadas, Agenor Tenório, que ficou indignado ao passar no local e ver o mural servindo de escora de material de construção.  Vamos esperar que, com essa decisão, o painel seja, pelo menos, preservado. Há rumores de que a empresa proprietária do imóvel onde fica o mural estaria com a intenção de levá-lo para outra agência, dessa vez em Boa Viagem, Zona Sul do Recife. O Recife possui cerca de 80 murais em vias públicas, segundo consta  no levantamento do projeto Recife Arte Pública,  que no ano de 2019 fez o levantamento de esculturas, painéis, murais e vitrais espalhados em 32 bairros da cidade.

O artista Francisco Brennand (1927-2019)  é um ícone da cultura pernambucana. Deixou como legado, uma obra única e magistral, que ele chamava de Catedral da Arte, a Oficina Cerâmica Francisco Brennand, no Bairro da Várzea.  Além disso, tem trabalhos espalhados pelo Grande Recife, sendo que o mais conhecido é o Parque de Esculturas que fica em frente ao Marco Zero, e que vem a ser um dos locais mais visitados por turistas no centro da cidade. O Parque das Esculturas foi doado ao Recife pelo próprio artista, para assinalar os 500 anos do descobrimento do Brasil. Inaugurado em 2000, completou duas décadas totalmente abandonado, fato de se agravou durante a última gestão municipal, quando o Prefeito era Geraldo Júlio (PSB), que não chegou a ser exatamente um primor para com a nossa cidade.

Ele deixou o Parque às escuras e sem vigilância, o que findou no furtos sistemáticos, ao ponto de  64 das 79 esculturas assinadas pelo artista terem sumido.  Entre as peças furtadas, uma serpente de bronze  com mais de 20 metros de comprimento. O #OxeRecife noticiou com exclusividade a pilhagem excessiva do Parque, até então tratada com apatia e indiferença pela Prefeitura. Depois que o fato se tornou escândalo nacional, a Secretaria de Defesa Social foi acionada e foram presos alguns dos responsáveis pelo roubo das peças de bronze, que já haviam sido fundidas para venda em ferro velho. Nenhuma autoridade chegou a ser responsabilizada pela omissão e pela falta de cuidado com o patrimônio público. O Prefeito João Campos (PSB) promete que vai recompor tudo que foi subtraído.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos:  Antônio Campos (IMC/Fundaj) e Agenor Tenório (MeninXs na Rua)

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