Diz o ditado popular que não adianta chorar o leite derramado. Até porque, no caso de Pernambuco, o estrago já foi feito. Foi o único estado onde registrou-se violência policial contra manifestantes que foram às ruas no último sábado, protestar contra o governo Jair Bolsonaro. Mesmo com o pronunciamento reprovando a atitude da Polícia Militar do Estado e dizendo que determinou apuração rigorosa do fato, o Governador Paulo Câmara (PSB) e o seu partido ganharam as redes sociais de forma muito negativa. Criticou o ato de sua PM mas, pelo que se observa, virou refém da insubordinação.
Após uma série de críticas vindas de todo o país, o Palácio do Campo das Princesas informou após reunião na manhã desse domingo, que o Governador determinou que a Secretaria de Justiça e Direitos humanos acompanhe a assistência médica aos dois homens que foram atingidos no rosto por disparos da PM, durante o protesto. Ambos foram atendidos no Hospital da Restauração.
Eles sofreram lesões irreversíveis na vista. Em nota distribuída no início da tarde desse domingo, o governo informa que além de determinar o acompanhamento das vítimas, Paulo Câmara “acionou a Procuradoria Geral do Estado para, em conjunto com a SJDH, iniciar o processo de indenização aos atingidos”. “Assim como estamos acompanhando a investigação que está sendo realizada pela Corregedoria, também vamos seguir de perto a assistência às pessoas que resultaram feridas”, afirmou Paulo Câmara.
“O adesivador Daniel Campelo da Silva, 51 anos, e o arrumador Jonas Correia de França, 29, foram atingidos no rosto por balas de borracha disparadas por policiais militares. Ambos tiveram lesões permanentes. Daniel, no olho esquerdo, e Jonas, no olho direito. Ainda no sábado, o governador afastou o comandante da operação e os policiais que agrediram a vereadora do Recife Liana Cirne. A Corregedoria-Geral da Secretaria de Defesa Social já iniciou a tomada de depoimentos sobre o ocorrido”, diz a nota. Liane (PT) também foi atingida com um spray de pimenta no rosto, disparado por um policial. Nas redes sociais, o que não falta é crítica. Há de sobra.
Tem até vídeo, com as cenas de sábado, tendo como fundo musical Cálice, de Chico Buarque de Holanda. O vídeo está postado no Instagram e no Facebook do #OxeRecife. Cálice era praticamente um hino dos movimentos sociais que lutavam pela redemocratização do Brasil, na ditadura militar. A música virou voz dos da oposição, no final da década de 1970. Uma postagem do pernambucano Paulo Resende, “um cidadão militante”, nas redes sociais, viralizou. Ele escreveu uma carta de treze itens ao Governador. “Pernambuco é hoje o grande vexame político nacional”, diz. “Em todo o país, as manifestações foram pacíficas e tranquilas, em Pernambuco, um caos de violência”. Afirma Rezende, dirigindo-se a Paulo Câmara:
“Alguém não lhe disse que na vida militar, caso da PM, esse tipo de transgressão é punido com cadeia, além do afastamento? De todos, governador, comando e executores, além dos soldados flagrados em violências. O passo seguinte é a expulsão dos efetivos militares. Marginais não podem vestir fardas. Veja o exemplo do Exército, que expulsou o marginal que é presidente hoje. Ou o senhor reage e prende os oficiais militares, inclusive civis envolvidos,ou se prepare para uma indisciplina generalizada com pequenos tirantes se arvorando de ‘otoridades’ “.
Paulo Resende – que atuou nos movimentos contra a ditadura e sofreu perseguições políticas – termina a carta, dizendo que Câmara não perca tempo procurando saber quem ele é. “É só perguntar aos com mais idade do seu partido, mais de 60 anos. Isto inclui a PM e seus oficiais da época, além da Polícia Civil. É. Realmente, chorar o leite derramado é complicado. Mas pior ainda, seria se omitir de vez. Mas que pegou mal para o PSB, pegou. A pergunta que não quer calar: Cadê a autoridade do governador? E o que diz o comandante da PM? Quem são os insubordinados? Toda a corporação? Por que a PM está calada? Está fechada com Bozó? Há muita coisa a explicar.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Heudes Régis / Divulgação / SEI
OBS: As demais ilustrações que constam nessa postagem foram colhidas nas redes sociais, em postagens de pessoas ou grupos, que são chamados de “esquerdopatas”, simplesmente porque não concordam com: negacionismo, nazismo, fascismo, poder de milícias, armamento, grilagem, destruição da natureza, liberação de tudo quanto é veneno para a agricultura, genocídios, perseguição aos índios, fake news. Enfim, pessoas de bom senso, que não perdem capacidade de ficar indignadas diante da barbárie.
Uma mancha indelével contaminou o tecido social e político de Pernambuco, no malfadado dia 29 de maio de 2021!
Quem estava no Centro do Recife testemunhou (e as fotos mostraram depois claramente) cenas surrealistas de aparato militar, armado até os dentes, formando barreira e avançando sobre manifestantes de uma passeata pacífica. Cenas como essas são típicas das mais abusivas ditaduras. Os spray de pimenta, o gás lacrimogêneo, as balas lançadas a ermo sobre a população não foram sem intenção. Não, destinavam-se a ferir gravemente os manifestantes.
Não se pode lamentar o leite derramado, mas é possível, nesse caso, punir exemplarmente os responsáveis, pedir desculpas oficialmente aos pernambucanos, à Nação e às vítimas em particular, pagar justa indenização e pensão aos que ficaram parcialmente incapacitadas para o trabalho. Tudo isso com muita transparência.