Provavelmente você não sabe quem foi Antônio Roberto Lira de França (1959-2000). Mas com certeza já ouviu falar de Pernalonga, não o coelho dos seriados de TV e dos filmes da Warner Bros. Mas o ator, arte-educador, dançarino, militante das causas LGTBQIAPN+ que agitava as ruas, bares e palcos de Olinda no século passado. E que integrou o Grupo Teatro Vivencial, que revolucionou a cena teatral pernambucana nos anos 1970, com deboches sobre a sociedade então vigente e que tinha um jeito todo especial de satirizar a ditadura em que o Brasil vivia.
Negro, pobre, semianalfabeto e com a vida dedicada ao teatro, Pernalonga esbanjava carisma e irreverência, até no jeito de vestir, pois naquela época – de tantos preconceitos – costumava sair às ruas com trajes femininos, maquiagem, plumas, meias longas. Mas também se orgulhava de exibir seu membro masculino, como decidiu fazer em um desfile da escola de samba Samarina (do Recife), quando foi destaque com uma capa, que mantinha fechada na maior parte do tempo. Mas ao sambar e abrir os braços, revelava “seu corpo nu, com o pênis enfeitado com purpurina verde e os testículos com a cor amarela”. A performance foi um escândalo (“baixaria”) e rendeu até notícia nacional, o que não impediu a escola de ser a campeã daquele carnaval.
Essa e outros relatos divertidos e até engraçados, constam do livro “Pernalonga, uma Sinfonia Inacabada”, do jornalista Márcio Bastos, que será lançado às 19h dessa sexta-feira (13/10) pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco) 14ª edição da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, que acontece no Centro de Convenções de Pernambuco. Lembro-me de Pernalonga não só pelas ruas de Olinda, nos carnavais, nos bares, como também no palco do Vivencial Diversiones, em Olinda, onde era uma das figuras mais populares. Tanto o personagem quanto o Vivencial inspiraram o filme Tatuagem, do Diretor Hilton Lacerda, e que tem Irandhir Santos (Clécio) e Jesuíta Barbosa (Fininho), como protagonistas. O teatro anárquico e Pernalonga também são retratos no livro “Vivencial – Imagens de Afeto e Ousadia”, lançado em 2016 pela jornalista e fotógrafa Ana Farache, que era amiga próxima de Pernalonga.
Recordo dele, também, em uma performance na Concatedral de São Pedro dos Clérigos, durante o casamento do artista plástico Paulo Bruscky, quando o ator entrou no templo, vestido de noiva, aos gritos de “Paulo eu te amo”. Houve um certo estranhamento, mas logo em seguida, os convidados entenderam tratar-se de uma brincadeira, embora a polícia tenha sido acionada pelos administradores do templo para acabar com a festa do “intruso”. Ator versátil , Pernalonga surpreendeu até o escritor Ariano Suassuna, na montagem da peça“O homem da vaca e o poder da fortuna“, em que ele fez dois personagens. “De terno branco, botas e chicote, Roberto incorporou o homem poderoso do Sertão e, no mesmo trabalho, também assumiu o inusitado papel da vaca”, conta Márcio Bastos no livro que é divertido, informativo, leve e que é lido de um fôlego só. De triste, o fim de Pernalonga, que foi ferido em um assalto, momento em que a população temeu socorrê-lo e se contaminar com o vírus HIV porque o ator, soropositivo, sangrava muito. Naquela época, a Aids espalhava terror no mundo, pois ainda era vista como uma sentença de morte. Um fim realmente triste, para uma figura tão querida e que esbanjou tanta alegria ao longo da vida. Antes, a Aids já vitimara Paulinho, o último companheiro de Pernalonga.
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Serviço:
Lançamento do livro Pernalonga
Quando: sexta-feira, 13/10
Onde: Auditório do Círculo de Ideias, na Bienal Internacional do Livro, no Centro de Convenções de Pernambuco
Horário: 19h
Preço do livro: R$ 50 (físico) e R$ 20 (E-book)
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação / Cepe