O bairro era o Pina que, aquela época, fervilhava ali nas proximidades do antigo Bar Maxime´s, com concentração de bares, restaurantes. Mas um estabelecimento se diferenciava totalmente dos demais: era a Soparia, de Roger de Renor, o agitador cultural que hoje é mais conhecido pelas novas gerações pelo Projeto Som na Rural. A Soparia concentrava a movimentação musical do Recife, nos anos 1990, quando os “caranguejos” do que se tornariam o manguebeat davam seus primeiros passos rumo ao mundo. A saudosa Soparia merecia mesmo um livro. E ele acaba de chegar. O jornalista, escritor e crítico musical José Teles resgatou a história do bar, que mais reunia artistas e pretendentes aos palcos na cidade. O livro Soparia: de boteco a palco de todos os sons será lançado no dia 6 de outubro, às 16h, no Auditório Círculo das Ideias da XIV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco,que acontece no Centro de Convenções. E o que não falta, com certeza é história para se contar.
“Todo mundo que fazia arte baixava lá”, afirma Teles, referindo-se à Soparia. De acordo com o autor, Chico Science (1966-1997) era um dos “habitués” da casa, por onde passaram muitas outras pessoas do mundo da música, como Otto, Silvério Pessoa, Maciel Melo, Sivuca, Hermeto Pascoal, Fagner e Herbert Vianna, por exemplo. Também apareciam representantes das artes plásticas e do cinema , seja para se apresentar, dar uma “canja”, acompanhar shows, beber ou apenas conversar. Teles conclui que “no geral, a programação (do bar) acontecia na base da imprevisibilidade” e que “a maioria dos que frequentavam a Soparia nem se preocupava em saber o que rolaria por lá”. Quase todos confessaram que iam ao bar “para se encontrar com os amigos”. Ou seja, a efervescência cultural pernambucana dos anos 1990, principalmente no campo da música, tinha um epicentro: a Soparia. Era o lugar onde todos baixavam e se encontravam. E onde as novidades musicais aconteciam.
No lançamento do livro, Teles e Roger vão participar do bate-papo Soparia, a biografia de um bar e de uma cena, mediado por Valentine Herold, editora assistente do jornal literário Pernambuco, da Cepe (Companhia Editora de Pernambuco), responsável pela publicação. Para resgatar a história, Teles foi atrás não só dos famosos, mas de quem fazia o estabelecimento funcionar, como a produtora cultural Paula de Renor, irmã e braço direito de Roger no negócio, garçons, seguranças e frequentadores do bar. E o que se vê nas 212 páginas do livro, com cerca de 50 imagens, é resultado de dezenas de entrevistas, pesquisas em jornais antigos e em trabalhos acadêmicos, além de análise de material de divulgação do bar e de fotografias. A Soparia foi aberta por Roger de Renor em 1992. Começou a funcionar sem a pretensão de ser o que se tornou. Alguns fatores contribuíram para se transformar em referência cultural. Um deles, as frequentes “canjas” dadas por Lula Cortês, músico já consagrado.
“Tocar num lugar onde uma lenda da música pernambucana se apresentava tornou-se objeto de desejo para qualquer jovem músico, e não apenas de Pernambuco”, diz no livro. Outro fator foi a Maré de 73 Lançamentos, como ficou conhecida a “histórica noitada mangue, que ocorreu no dia 14 de novembro de 1992, com Mundo Livre S/A e Chico Science & Nação Zumbi”. Além da apresentação das duas bandas, o evento contou com exibição de clipes e de um documentário chamado Mangue, chancelando a Soparia como a casa da nova música pernambucana. A partir daí, subiram ao palco grupos como Mombojó, Mestre Ambrósio, Cascabulho, Comadre Florzinha, Paulo Francis Vai Pro Céu e Querosene Jacaré. Em 25 de março de 1999, o bar encerrou as atividades. O fechamento atraiu milhares de pessoas. “Tanto pelo bota-fora como pelo sucesso que fazia na cidade a principal atração, Cordel do Fogo Encantado”, destaca Teles.
Após virar a noite, no dia seguinte, Roger fecha o ciclo do bar. Baixa a porta e picha “Cadê a Sopa?”, a frase mais ouvida ao longo da história do estabelecimento, que não servia apenas música, mas também sopa aos amantes da noite. Para Teles, Roger “aproveitou o timing perfeito” para fechar a Soparia. E não fez isso por falta de público. “Se fosse por frequência, a maioria dos donos de bar teria continuado até a fonte secar”, avalia. Sobre isso, Roger afirma, em entrevista para o livro, que a badalação sobre a Soparia aumentou após a morte de Chico Science, ocorrida em 2 de fevereiro de 1997, atraindo novos negócios para o Polo Pina. E, “consequentemente, mais pessoas e problemas”. Diz: “Começou a chegar uma galera pesada pro local. Eu entendo de juntar gente por meio da música. As pessoas que estavam vindo ali não fui eu que juntei. Foram trazidas por telefone sem fio. Era outra coisa. Aí resolvi fechar enquanto estava em cima. Quando as pessoas entendessem [o que tinha mudado], já teria queimado meu filme”.
O livro não se limita à história da Soparia. Teles aponta os bares da época do Soparia e de décadas anteriores. Dos anos 1970, por exemplo, lembra do Bar do Beco, onde inicialmente passaram sambistas cariocas – Clementina de Jesus, Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Grande Otelo –, e posteriormente virou referência para a psicodelia pernambucana, o chamado Udigrudi. Desta turma, o Bar do Beco recebeu apresentações de Flaviola e das bandas Tamarineira Village, futura Ave Sangria, e Phetus. Sobre os arredores do Soparia, nos anos 1990, o livro resgata dados de bares como o Satchmo, localizado na Galeria Joana D’Arc, o Oficina Mecânica e o Boratcho. Teles adianta que o livro não lista todos os bares contemporâneos do Soparia. “Mas quem não a viveu terá uma ideia do que foi a Soparia. No Recife nunca teve um bar feito a Soparia, acho que nem no Brasil. O bar foi alto e baixo astral, Woodstock e Altamont ao mesmo tempo”, pontua. Nele, cabiam diferentes vozes e ritmos. E Soparia: de boteco a palco de todos os sons retrata bem o espaço democrático e aparentemente caótico do bar, que mereceu as páginas do New York Times, em 1997 e 2001. Não por acaso: a Soparia tinha uma atmosfera própria, uma cenografia única, uma estética marcante e intencionalmente kitch com sua radiola de ficha, o cachorro de gesso, o quadro da sereia e inconfundível sofá vermelho. Aliás, só a estética do bar já daria um livo à parte! Saudades do Soparia!
Nos links abaixo, você confere informações sobre o manguebeat e também sobre lugares marcantes do Recife que se foram. Ou que sobrevivem aos trancos e barrancos.
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Serviço
Lançamento do livro Soparia: de boteco a palco de todos os sons
Quando: 6 de outubro de 2023
Hora: 16h
Onde: Auditório Círculo das Ideias – XIV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco
Endereço: Centro de Convenções, em Olinda
Preço do livro: R$ 50,00 (impresso) e R$ 20,00 (E-book)
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Acervo pessoal de Roger de Renor / Cepe / Divulgação