Certa vez, recebi a visita do meu pai, que faleceu em 1978. Ele residia em São Paulo e, na época, eu ainda morava no bairro de Casa Forte. Lembro-me que ao passar perto do Morro da Conceição, vimos um homem carregando uma lata d´água na cabeça. Ao observar a cena, ele disse uma frase da qual nunca esqueci. “É impressionante que, ainda hoje, vejamos nas ruas do Recife imagens que lembram os tempos de Debret”. Referia-se a Jean Baptiste Debret (1768-1849), que retratou os costumes e cenários do Brasil colonial.
Pois, em pleno século 21, a situação não mudou não. Pode ser até pior, já que a população aumentou. E a irregularidade no abastecimento de água fica ainda mais visível, durante a realização de grandes eventos, como a Festa do Morro da Conceição, cuja 115ª edição tem início no próximo dia 28 de novembro. Durante entrevista coletiva, em que foram divulgadas as iniciativas oficiais para a organização da Festa, a Compesa deu a grande “novidade”: haverá água diariamente entre aquela data e 8 de dezembro .
Água todos os dias, novidade? Sinceramente, devia ser o contrário. Interrupção de abastecimento é que deveria ser notícia. Um serviço público, para que as pessoas armazenassem, tomassem precaução para não ficar a seco. Água na torneira deveria ser o normal. Sempre. Mas, infelizmente, é a exceção da regra. Ao ver que água diariamente no Morro da Conceição é um sonho para milhares de pessoas, indaguei, então, qual o regime de abastecimento naquele que é um dos mais populosos altos do Recife.
Segundo a Coordenadora Técnica da Compesa, Bruna Borges, o regime é assim: “No Morro há nove áreas com rodísio, com regime de 24 por 72 horas”. Em outras palavras, um dia com água e três de torneiras secas. Lembrei, então, de uma outra cena, que assisti no início dessa década, ao final da missa, quando o então pároco do Morro da Conceição, Padre José Roberto de França, chamou os fiéis para os pés da Santa, onde lhes deu a bênção, jogando água benta. “Rezem, peçam à Nossa Senhora da Conceição para a Compesa enviar água para o Morro”. O atual Pároco do Morro, Padre Luiz Rodrigues, não se surpreendeu ao saber da atitude de um dos seus antecessores. “ Talvez eu tenha que fazer o mesmo”, disse ao #OxeRecife.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Andréa do Rego Barros / PCR (arquivo #OxeRecife)
