A morte do Padre Reginaldo Veloso, 84, deixa um grande vazio não só na Igreja Católica como também entre os movimentos populares do Recife. Seu nome jamais será esquecido. O Padre não foi só um sacerdote. Foi muito mais que isso. Foi um lutador, uma voz destemida contra a ditadura, a tortura e as injustiças sociais. Pode-se dizer, também, que a sua passagem pela Paróquia do Morro da Conceição contribuiu – e muito – para transformar aquele famoso alto da Zona Norte no mais politizado da nossa cidade.
Com uma bonita carreira como sacerdote, ele foi um grande incentivador das comunidades eclesiais de base, o que despertou a simpatia do então Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara, o Dom da Paz. Após passar pelo Seminário no Recife, estudar Teologia e História da Igreja em Roma, e sagrar-se sacerdote em 1961, começa a atuar no Recife. Em 1978 – no período mais duro da ditadura militar – assume a cobiçada Paróquia do Morro da Conceição, onde conquista a admiração da população e transforma a paróquia em um centro de referência quando o assunto era teologia da libertação.
Seu trabalho evangelizador com base naquele segmento atrai não só a comunidade do próprio morro, como de outros bairros do Recife. Mas foi nos anos 1980 que ele virou notícia nacional, por ocasião da expulsão do Padre Vito Miracapillo do Brasil. Miracapillo atuava na Paróquia do Município de Ribeirão – na Zona da Mata – e foi expulso ao negar-se a celebrar a missa do dia 7 de setembro, alegando que o povo não estava independente. Na verdade, um protesto contra a fome que grassava entre os espoliados trabalhadores dos canaviais pernambucanos. O processo de expulsão contra o italiano virou notícia internacional.
O processo de expulsão virou uma batalha nos tribunais. A cada decisão da ditadura, os advogados da Arquidiocese de Olinda e Recife faziam a contestação. Após polêmicas, idas e vindas nas cortes judiciais, Vito terminou sendo expulso por decisão do Supremo Tribunal Federal, com base no Estatuto do Estrangeiro então em vigor. A expulsão do padre provocou um clima de guerra em Ribeirão e contribuiu para agravar mais ainda a crise entre Igreja e Estado, vivenciada naquela época.
Revoltado com a decisão, o padre compôs o hino Vito, Vito, Vitória, que acusava o STF de ser “uma vergonha nacional”, um “coito venal”, onze juízes que “pisam no Direito, celebram o mal”. O hino, uma ousadia para os padrões da época, levou o religioso a ser enquadrado na então draconiana Lei de Segurança Nacional. E olha que, ao contrário do que ocorre hoje, ele só emitiu uma opinião. Ele não fez nenhuma ameaça, como as que vê hoje em dia, partindo do Ex-Capitão e seus apaniguados e seguidores.
Lembro-me também de uma outra polêmica do Morro da Conceição do Padre Reginaldo. E envolvia ninguém menos que Robert McNamara, o ex-poderoso Secretário de Defesa dos Estados Unidos (entre 1961 e 1968). Já como Presidente do Banco Mundial (cargo que ocupou de 1968 a 1981), ele esteve em visita ao Recife. Mas deu tudo errado quando foi visitar o Morro. Se não me falha a memória, as vias de acesso foram fechadas para impedir a passagem do representante do “imperialismo” e do “capitalismo selvagem” americanos.
Reginaldo Veloso não sofreu só perseguições por parte dos generais generais. Após a morte do Dom da Paz, a arquidiocese de Olinda e Recife passa a ser dirigida pelo conservador Dom José Cardoso Sobrinho, que desmantela toda a rede do bem criada pelo Dom, e persegue todos os padres progressistas. Veloso foi um deles. A população do Morro rebelou-se e montou até barricadas para evitar a posse do sucessor de Padre Reginaldo. Não teve jeito. Veloso foi afastado, desgostou-se com o novo comando da Igreja em Pernambuco e deixou as atividades sacerdotais. Casou-se e constituiu família. Mas jamais afastou-se dos seus deveres de cidadão cristão e nunca deixou de lutar pela sua fé nem pelas suas convicções políticas e sociais.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Unicap/ Internet e Letícia Lins