Nesse feriado cívico, que tal refletirmos sobre a situação do nosso País que, dois séculos após a independência ainda assiste, hoje, em pleno século 21, a manifestações como a 28ª edição do Grito dos Excluídos, que tem como tema “Brasil- 200 anos de (In) dependência para quem?” E por que não lembrarmos de movimentos e figuras populares que pouco tempo depois do Grito do Ipiranga, já exigiam uma libertação verdadeira?
Em 1823, às “margens plácidas” da Baía de Todos os Santos, na Bahia, uma mulher negra ergue seu braço e brada “Independência ou morte!”. Seu nome: Maria Felipa Oliveira. Ela pretendia decretar, de uma vez por todas, que o Brasil era um país livre, e não mais uma colônia de Portugal. Embora a história oficial contada nos livros não seja exatamente essa, a luta de mulheres e homens escravizados na Bahia e em outros cantos do país foi fundamental para que o “brado retumbante” de Dom Pedro I, às margens do Ipiranga, em São Paulo, tivessem efeito prático na vida dos brasileiros. Será que, em 1822, eles poderiam se considerar verdadeiramente independentes?
Com certeza, não. É que o Brasil era uma colônia portuguesa desde a chegada de Pedro Álvares Cabral. E a colônia funcionava como um apanhado de províncias que pouco tinham em comum entre si. O que as unia era, sobretudo, a geração de riquezas por meio da escravidão. “As duas questões estão intimamente ligadas, na verdade. Quando falamos em independência, falamos também de um processo político que envolvia fortemente as discussões sobre a manutenção da escravidão nessas terras”, explica o professor de História e coordenador do Núcleo de Evolução de Conteúdo do Sistema Positivo de Ensino, Norton Frehse Nicolazzi Jr.
Enquanto, no papel, Portugal e Brasil travavam uma disputa política acirrada, mas pacífica, pelos direitos sobre o território do lado de cá do Atlântico, na vida real o cenário era bem diferente. E até sangrento. Muitas pessoas que faziam parte justamente da multidão de escravizados africanos enfrentaram as tropas portuguesas com as armas que tinham à mão. As marisqueiras da ilha de Itaparica, na Bahia, foram algumas dessas pessoas. Uma delas, Maria Felipa de Oliveira, teria sido a líder de um grupo de mulheres que incendiou muitas embarcações portuguesas no início de 1823, contribuindo fortemente para a expulsão dos militares portugueses do Brasil.
“Não há registro, em livros ou documentos, que provem que Maria Felipa realmente existiu, mas ela continua muito presente na história oral dos moradores de Itaparica e alimenta, séculos depois, o imaginário popular. Como personagem real ou não, essa mulher é uma figura simbólica muito importante das nossas ‘guerras de independência’”, detalha o historiador. Além dela, ainda na Bahia, há outras heroínas femininas: Maria Quitéria, que se disfarçou de homem para poder lutar contra os portugueses. E o que dizer da abadessa Joana Angélica, morta no Convento da Lapa, em Salvador?
Elas são celebradas até hoje pelos feitos no processo de independência do Brasil, porém nem sempre lembradas nos livros didáticos. Na terra e no mar baianos, o grito de independência não se limitou ao 7 de setembro de 1822.Pois a batalha durou de 19 de fevereiro de 1822 a 2 de julho de 1823. A data final é, ainda hoje, dia de comemoração por lá. Além disso, houve ainda guerras muito importantes pela independência no Piauí, Pernambuco, Pará, Maranhão e até mesmo no Uruguai, que, na época, era território brasileiro. “Ouvimos falar muito sobre José Bonifácio, Dona Leopoldina, Dom Pedro I e outros nomes, que também são importantes. Mas o Brasil só se tornou um país independente de fato porque muitos brasileiros comuns, entre eles, muitos a quem o próprio Brasil negou e continua negando reconhecimento e dignidade, lutaram bravamente contra o domínio português”, finaliza Nicolazzi. Então,vamos festejar nossos heróis anônimos e levá-los ao verdadeiro lugar que devem ocupar em nossa história. Incluindo a da independência.
Abaixo, vocês podem conferir informações sobre outros eventos históricos relacionados com a nossa independência.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação e Acervo #OxeRecife