No último passeio que fizemos com o Grupo Caminhadas Domingueiras, cortando bairros centrais do Recife, deu para perceber que o Recentro ainda não mostrou a que veio, a julgar pela degradação e abandono observados em praças e ruas Santo Antônio e São José. No primeiro, chamou a atenção do grupo o sumiço do Mural Batalha dos Guararapes, que ficava no Edifício Tiradentes, ali, na Rua das Flores, pertinho da Avenida Dantas Barreto. E que vivia entregue à ação de vândalos e era usado até como mictório por gente sem noção. Em 2022, o #OxeRecife chegou a mostrar como o painel estava servindo até como escora para material de construção. Felizmente, no entanto, nem tudo está perdido. O mural não está mais no seu lugar original, porém encontra-se agora restaurado, muito bem instalado e à vista de quem queira admirá-lo. Foi transferido para Boa Viagem, uma das áreas consideradas “nobres” da cidade.
É que foi tombado, passando a ter status de Patrimônio Cultural de Rigorosa Preservação de Pernambuco. Confeccionado entre 1961 e 1962, o painel tem 32 metros e meio de comprimento por dois metros e 30 centímetros de altura, com 720 peças de cerâmica. E além dos desenhos de Francisco Brennand (1927-2019), possui textos assinados por por Ariano Suassuna (1927-2014) e César Leal (1924-2013). O responsável pela transferência foi o Banco Santander, que o colocou em local bem visível, em sua agência Select, localizada na Rua Antônio Falcão, naquele bairro da Zona Sul. Ainda não vi a obra de arte sobre tão marcante fato da nossa história no seu novo local, porém o amigo Agenor Tenório, companheiro de caminhadas, vinha acompanhando a trajetória do mural desde seus tempos de degradação e abandono, até a glória merecida.
Muitas vezes, ele fez o alerta sobre a situação da obra, inclusive aqui no #OxeRecife. Agora, todo feliz, ele dá conta das novas instalações. “Finalmente o painel Batalha dos Guararapes de Francisco Brennand está em local digno”, comemora, indicando o novo endereço. “Restauração extraordinária, parece que mostra mais a beleza e técnica do que onde estava”. Agenor que, como eu, gosta de caminhar pela cidade, sempre nos dá conta de placas que sumiram, estátuas que foram roubadas, obras de arte ultrajadas por vândalos. O painel assinado por Brennand é apenas um dos 80 que o Recife possui em vias públicas, de acordo com levantamento realizado na cidade em 2019 pelo Projeto Recife Arte Pública. Muitos estão esquecidos, desgastados ou abandonados, como era o caso do Batalha dos Guararapes que, enfim, encontrou agora a valorização que merece.
Para Agenor, o ambiente onde o painel foi colocado “está muito bem planejado, arquitetonicamente próprio para a contemplação, na fachada inteira e em posição alta e protegida”. Fã do mural, ele chega a compará-lo com outra obra, internacionalmente famosa. “Afirmo sem medo que esse mural ombreia com o quadro Guernica, de Pablo Picasso”, diz, com evidente bairrismo. “Como bom pernambucano, acho o Guararapes mais bonito porque certamente deu muito mais trabalho para pintá-lo e o material usado tem mais beleza plástica e durabilidade”. E conclui:”As cores e elementos nordestinos no estilo Brennand dão uma beleza especial”. Guernica, para os que não lembram, é o mural assinado em 1937 por Picasso, em que ele mostra cenas chocantes provocadas por bombardeios, durante a guerra civil espanhola.
Já Francisco Brennand é um ícone da cultura pernambucana. Deixou como legado, uma obra única e magistral, que ele chamava de Catedral da Arte, a Oficina Cerâmica Francisco Brennand, no Bairro da Várzea. Além disso, tem trabalhos espalhados pelo Grande Recife, sendo que o mais conhecido é o Parque de Esculturas que fica em frente ao Marco Zero, e que vem a ser um dos locais mais visitados por turistas no centro da cidade. O Parque das Esculturas foi doado ao Recife pelo próprio artista, para assinalar os 500 anos do Descobrimento do Brasil. Inaugurado em 2000, completou duas décadas totalmente abandonado, fato de se agravou durante a última gestão municipal, quando o Prefeito era Geraldo Júlio (PSB), que não chegou a ser exatamente um primor para com a nossa cidade. Ele deixou o Parque às escuras e sem vigilância, o que findou no furtos sistemáticos, ao ponto de 64 das 79 esculturas assinadas pelo artista terem sumido. Entre as peças furtadas, uma serpente de bronze com mais de 20 metros de comprimento. Foi tudo roubando e vendido para derreter em ferro velho…
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Agenor Tenório / Divulgação
Notícia maravilhosa Letícia! É uma das grandes obras do mestre Francisco Brennand e merecia esse destaque!!!