Dia Mundial da Água: Como fazê-la render na “aridez” da Caatinga no Sertão nordestino

Uma vez, estava fazendo trilha pela Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e o que mais me chamou a atenção foi justamente a fartura de água. Tinha sempre jorrando de algum lugar, minando pelo chão por onde a gente pisava, havia sempre um riacho ou um laguinho pelo caminho. Uma situação bem diferente da que estava habituada a conviver,  nas minhas andanças no Sertão, onde era comum ver rachado os leitos dos rios, durante as estiagens. Por esse motivo, no Dia Mundial da Água, convém lembrar experiências que evitam desperdícios e que a fazem render no Semi-árido, transformando em pequenos “oásis” o que antes eram paisagens secas. Então, no Dia Mundial da Água – que transcorre em 22 de março – vamos lembrar o caso da Reserva Natural Serra das Almas, onde a implantação de tecnologias de convivência com a seca  possibilitam o aproveitamento de 4,7 bilhões de litros de água, que se perderiam por ano em escoamento ou evaporação. Mais: a floresta em pé ajuda a reter água no solo.

Essa água, que iria se perder totalmente garante o abastecimento anual de 299.062 cisternas (com capacidade de armazenamento de 16 mil litros cada). Esse, pelo menos, é o resultado de um estudo realizado pela  LimnoTech, empresa de ciência e engenharia ambiental que fornece serviços relacionados à água para clientes nos Estados Unidos e outros países. Naquela região, foi implantado o Modelo Integrado de Conservação da Caatinga, estratégia que busca proteger o bioma integrado ao desenvolvimento sustentável das comunidades rurais ao redor da Serra das Almas. O modelo envolve 4.000 famílias de 40 comunidades em projetos socioambientais, reconhecendo a importância de vincular a convivência com o semiárido à geração de renda e ao progresso local.

Mata em pé, na Caatinga, garante umidade e conforto térmico na Serra das Almas, entre o Ceará e o Piauí

Uma das linhas de ação desse modelo é a instalação de tecnologias sociais de captação e reuso de água, evitando-se o perdas e desperdícios. Assim como saneamento rural, promovendo saúde e bem-estar para famílias atendidas pelo projeto,  explica Daniel Fernandes, coordenador geral da Associação Caatinga, que faz trabalhos na Reserva Natural Serra das Almas, que fica entre Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI). Samuel Portela, Coordenador Técnico da Associação Caatinga, mostra a importância da preservação da flora local:

“De um modo geral, podemos dizer que esse estudo evidencia ainda mais que a floresta em pé ajuda a reter a água no solo, alimentando os lençóis freáticos e conservando a umidade na Caatinga para os períodos mais secos do ano.  A retenção de água pelas plantas auxilia na manutenção da temperatura através da evapotranspiração, mantendo o clima na caatinga mais ameno e agradável. As áreas preservadas são fundamentais para a proteção das nascentes e dos rios que são extremamente essenciais para o abastecimento de milhões de nordestinos, além de todas as outras espécies da fauna e da flora. É importante discutir a relação da água com a Caatinga, pois esse bioma oferece uma série de serviços ecossistêmicos essenciais para a qualidade de vida das populações e pouca gente sabe disso”.

Ou seja, ao contrário daquela imagem deturpada sobre a Caatinga, sempre representado por imagens de seca e miséria, o Sertão é viável. Bioma exclusivo do Brasil, a Caatinga se estende por 10,1 por cento  do território nacional,  cobre 53,49 por cento da região Nordeste e abriga 28 milhões de pessoas. Segundo os cientistas, a Caatinga é a floresta semiárida mais biodiversa do mundo. A região conta com o projeto NCC (No Clima da Caatinga), desenvolvido pela Associação Caatinga, justamente para tentar reduzir os efeitos do aquecimento global na região, tendo como base central justamente a Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), que hoje conta com 6.285 hectares. A Associação Caatinga é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja missão é conservar a Caatinga, difundir suas riquezas e inspirar as pessoas a cuidar da natureza. Desde 1998, atua na proteção da Caatinga e no fomento ao desenvolvimento local sustentável, incrementando a resiliência de comunidades rurais à semiaridez e aos efeitos do aquecimento global.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação / Associação Caatinga

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