Dia de Reis e pastoris: “Fora Bolsonaro”

Desde criança, tenho o costume de frequentar apresentações de pastoril, uma das mais bonitas manifestações do ciclo natalino. Na minha infância, a torcida pelo cordão azul e pelo encarnado era tão grande, que a meninada da rua fazia bandeirinhas para torcer.  Não lembro como era o grito de guerra da torcida do encarnado. Mas recordo com muita nitidez da turma do azul, que contava com a maioria das preferências no bairro, e que tinha um refrão lindo. “Azul é o céu, azul é o mar, azul é a rainha que nós vamos coroar”.

Queima da Lapinha terminou com desejo do público revelado em voz alta: “Fora Bolsonaro”

Os chamados pastoris religiosos comemoram a chegada do Menino Jesus com suas jornadas, e têm personagens como as pastoras, a Diana, a Borboleta e outros mais. No Dia de Reis, esses pastoris normalmente fazem cortejo pelas ruas para a chamada “queima da lapinha”, quando as palhas das manjedouras dos presépios são queimadas, entre cânticos e danças. Na noite do dia 6 de janeiro fui acompanhar a queima da lapinha do Pastoril Pastoras Encantadas, na Várzea, bairro histórico localizado na Zona Oeste do Recife. Iniciativa dos próprios moradores, a cerimônia atraiu muita gente. E foi a primeira vez que vi um pastoril tradicional  terminar com manifestação política. No caso: “FORA BOLSONARO”.

É que na queima da lapinha há um ritual tradicionalmente seguido no Nordeste, durante o Dia de Reis. A mestra do Pastoril ou responsável pelo grupo, colhe entre o público papéis em que cada pessoa escreve o seu desejo. Na hora da queima da lapinha, coloca-se todos esses pedidos no fogo. Reza a tradição, que ao ser queimado o papel com o pedido, o desejo tem maior chance de ser realizado. Enquanto os bilhetes eram colocados na fogueira, a Véia Taioba (a criadora do pastoril)  dirigiu-se ao público pedindo que cada qual pensasse no que melhor lhes poderia acontecer em 2022. Não deu outra. E todo mundo pensou em voz alta: “FORA BOLSONARO”, que logo virou Lulalá, o inesquecível hino da campanha de Lula à sucessão presidencial.

O “FORA BOLSONARO” das pastoras acontece em semana em que circula nas redes sociais uma  infame montagem em que o capitão – que só tem de Messias mesmo o nome –aparece ao lado do verdadeiro Messias. Na ilustração, o real Menino Jesus está sobre os ombros de São José, que puxa Bolsonaro pelas mãos,como se ele fosse o queridinho da Santíssima Trindade. Haja exagero no uso de figuras religiosas, baixo populismo e inaceitável messianismo. Até porque se uma certeza se tem é que o capitão não é santo. Faz discurso religioso, mas mostra atitudes pouco cristãs: como a falta de solidariedade e a perversidade, tripudiando da miséria  e das perdas alheias. Depois de ficar a reboque de outros países na compra da vacina contra a Covid-19, agora passa a desacreditar e expor aqueles que, baseados na ciência, defendem a imunização de crianças.

Chamou de “tarados por vacina” aqueles que defendem a imunização de meninos e meninas contra a Covid-19, e ainda disse em entrevista e em suas redes sociais que não há uma só criança  no Brasil que tenha morrido por conta da pandemia, o que é uma deslavada e cínica mentira.  Isso sem falar nas ameaças à Anvisa e até mesmo a exposição de dados pessoais dos médicos que defendem a imunização.  O homem não foi capaz de visitar a Bahia atolada em tragédia das chuvas, vetou ajuda da Argentina aos atingidos e não conseguiu disfarçar a indiferença a uma multidão de desabrigados como retaliação política ao governador da Bahia que é do PT e não reza por sua cartilha.

Sei não… É muita perversidade mesmo e muita mentira. Já estou até duvidando da real necessidade de internação após as férias de final de ano. Você sairia direto do hospital para um estádio de futebol como ele fez?  Você tripudiaria em cima da desgraça alheia? Você negaria vacina a pais e filhos que sonham com imunização, principalmente a aqueles que perderam entes queridos? Você colocaria em dúvida a atuação da Anvisa, que – baseada na ciência –  tem peitado direto os negacionistas?

Abaixo, confira as imagens da jornada de pastoril e queima de lapinha que acabou em protesto contra Bolsonaro:

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Texto, fotos e vídeo: Letícia Lins / #OxeRecife

 

 

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One comment

  1. Parabéns Letícia pela matéria, dia de Reis e Pastoris. Fora Bolsonaro. A Várzea mantém suas raízes libertárias. Como se diz na RIV, República Independente da Várzea. “O problema da Várzea é o Brasil.

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