Centenário de Osman Lins: Professora comove ao lembrar conto “A Partida”

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É impressionante como as pessoas sempre surpreendem. E para o bem. Durante as comemorações do centenário do nascimento de Osman Lins, no município de Vitória de Santo Antão – onde ele nasceu – a  Prefeitura, responsável pela organização do evento, convidou a professora aposentada Marilena da Paz Ferreira de Queiroz, para que fizesse alguma declamação já que ela também escreve poemas. Mas Marilena (na foto com a titular do #OxeRecife), ao acordar na manhã da sexta-feira, 5 de julho, decidiu mudar o que esteva planejado.

E escreveu um texto colocando-se no lugar da avó do protagonista do conto “A Partida”, de Osman. Meu pai ficou órfão de mãe aos quinze dias de nascido, e foi criado pela avó Joana Carolina (Mãe Noca) e pela tia paterna Laura (Mãe Laura). No conto – publicado no livro “Os Gestos” – o autor descreve os últimos momentos com Noca e a excitação diante da mudança que ocorreria no dia seguinte, da cidade do interior para o Recife, onde esperava novos horizontes.  Mas onde pensava sobretudo em livrar-se dos excessos das amarras protetoras da avó:

 “Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, reconheço que mudei bastante. Verifico também que estava aflito e que havia um fundo de mágoa ou desespero em minha impaciência. Eu queria deixar minha casa, minha avó, os seus cuidados.  Estava farto de chegar a horas certas; de ouvir reclamações; de ser vigiado; contemplado, querido. Sim, a afeição de minha avó incomodava-me. Era quase palpável, quase como um objeto, uma túnica, um paletó justo que eu não pudesse despir”.

Marilena inverteu o conto. Ao invés da primeira pessoa, colocou-se no lugar da avó, e falou como se estivesse em frente ao neto, momentos antes da viagem definitiva para a Capital. O conto de Osman Lins inspirou a cineasta Sandra Ribeiro a fazer o filme “A Partida”, estrelado por Paulo Autran (1922-2007) e Geninha Rosa Borges (1922-2022). Leia “A Partida – Sob o Olhar da Avó”, por Marilena:

“Se preparando para ir embora, / Ele está ansioso, / Fazendo o possível  / Pra se esquivar de minha ternura espaçosa./ Ainda há tanto pra lhe dizer, / Tanto para recomendar, / Mas as palavras estão proibidas agora./ Sei que se elas escaparem não virão sozinhas, / Há soluços e lágrimas esperando um único deslize meu/ Pra saltarem da garganta, / Prá pularem de meus olhos cansados. / E meu neto, calado, evita me olhar, / Ele não quer se deparar com o infinito amor de vó / Que nunca desgruda de mim, /Nem mesmo nos momentos difíceis em que repreendo seus defeitos. Ah, essa saudade antecipada que me consome/ E que passou a noite seguindo meus passos / Me abraçando, Me consumindo…/ Parece até uma ferida exposta / De tão dolorida que sinto./ E em meio a dor: dúvidas…/ Tantas dúvidas a me incomodar. / Será que meu neto se alimentará direito? / E se ele ficar doente (rezo para que não fique) / Haverá alguém para lhe fazer um chá? / Prá vigiar seu sono? / Eu, tola, querendo protegê-lo do mundo / E ele apenas querendo se proteger de mim, / Do meu excessivo zelo / Da minha essência amorosa. / Olho discretamente a mala pronta, no canto da parede,/ A prova inequívoca de que a partida está batendo na porta. / Se eu pudesse, Bem dentro dos seus pertences, / Teria posto os meus conselhos, / Os meus remédios milagrosos, / Os meus cuidados…/ Hora de partir / O abraço que deveria vir não acontece. / Há de ficar guardado, quietinho, / Bem junto à porta da entrada,/ Esperando o dia de ele voltar. / Meu neto tão cheio de sentimentos contraditórios. / E eu tão repleta do meu amor de vó”.

O que ela escreveu foi lindo e comovente. Confesso que chorei ao ouvir e, hoje, ao reproduzir o texto. Tenho certeza que meu pai, se vivo fosse, também teria ficado emocionado. Pois já homem e pai, quando visitava a avó, em Vitória de Santo Antão, ela sempre levantava, no meio da noite, para protegê-lo com um lençol ou cobertor.  E guardava para ele a xícara mais fina da casa, em porcelana, para o seu café. O objeto, em porcelana do início do século passado, conservo até hoje, como relíquia de família.

Xícara de porcelana chinesa do século passado, era reservada por Joana Carolina para o neto Osman

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Thayla Ventura e Letícia Lins

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