Torre do Jiquiá, relíquia mundial, entre a história do Zeppelin e o abandono

“Sigo ao sétimo andar para o café da manhã, de onde se vê Pernambuco de todos os quatro ângulos. De um lado, vê-se a quebração do mar em verde claro, médio e escuro, mais adiante o porto, o bairro velho e mais ao largo, na linha de prata do horizonte, nosso ‘Graff Zeppelin’, atrás de palmeiras altas, atracado ao seu mastro”.   A frase consta do diário de viagem do alemão Carl Bruer, que nos anos 1930 voou a bordo do dirigível entre a Europa e o Brasil. O sétimo andar que ele se refere é no Hotel Central,  então o mais alto prédio do Recife.

Localizado na Avenida Manoel Borba e ainda funcionando depois de passar por restauração, o Hotel Central hospedava não só artistas famosos e autoridades, como os tripulantes e viajantes do famoso dirigível. Das janelas dos seus apartamentos, em um Recife ainda quase horizontal, era possível a viajantes como Brauer observar o  LZ 127 – Graf Zeppelin estacionado no Campo do Jiquiá. O “mastro” a que o estrangeiro se refere, para os que não sabem, também ainda existe. E é, somente, a única torre de atracação de zeppelins ainda de pé no planeta. Portanto, uma relíquia mundial da história da aviação. Deveria estar preservada, com um parque aprazível ao seu redor, com equipamentos de lazer. E virar atração turística.

Jiquiá: Relíquia da história mundial da aviação, torre de atracação de zeppelins está abandonada

Mas não é isso que está ocorrendo. O pretenso Parque Científico e Cultural do Jiquiá só existe no papel e nas placas indicativos que constam na ainda preservada área verde onde sobrevive a torre de ferro, que serviu para atracar os dirigíveis entre 1930 e 1937.  Era a época que eles  realizavam escalas no Recife, onde funcionava, então, a primeira estação aeronáutica para dirigíveis da América do Sul. O que seria um parque é, hoje, um matagal, embora haja, também, fragmentos de Mata Atlântica ao seu redor. Na área, ao invés de equipamentos científicos e culturais previstos, o que existe é uma unidade da Polícia Militar (Bope).

E a torre, que passou por processo de recuperação em 2003, quando ganhou pintura e reparos já perdeu cor e brilho. E está sucumbindo à invasão do mato. E em sua parte mais alta agora “estacionam” os urubus (foto superior). Estive na manhã desse sábado na área onde funcionaria o Parque Científico e Cultural do Jiquiá, com o Grupo Bora Preservar. Porém constatei que tudo está pior do que da última vez em que lá estive com uma excursão do Projeto Olha! Recife (em 2019). Comparando-se as duas vezes, tudo mudou para pior. A placa turística está desbotada e tombou. As outras, maiores, que explicam o que seria o parque e a restauração da torre estão também caindo. O matagal impede que o visitante delas se aproximem.

Abandono onde fica a torre de atracação de zeppelins, está em todos os lugares, até mesmo nas placas oficiais.

Entre 2012 e 2017, a Prefeitura do Recife e o Governo Federal patrocinaram uma série de obras no “parque” (Campo do Jiquiá) onde fica a torre, com investimento previsto de R$ 5.939.839. O dinheiro serviria não só na restauração da relíquia de ferro, como também na recuperação de paiós que ali funcionaram durante a Segunda Guerra Mundial. A empreitada contou com participação do Ministério Público de Pernambuco, Prefeitura do Recife, Fundarpe e Caixa Econômica Federal. Não consegui saber se aquele valor foi totalmente utilizado, se sobrou dinheiro e foi devolvido.  Ou se faltou.

O matagal impede que visitantes se aproximem da torre ou possam ler a placa de sinalização turística.

Alguma coisa realmente chegou a ser feita, pois a torre que estava esquecida e enferrujando, ganhou novo colorido, foi capinado o espaço ao seu redor e os paióis da área não ganharam novas serventias mas, pelo menos, ficaram melhores do que estavam. Porém o que vimos nesse sábado foi o contrário: ruínas, placas derrubadas, torre desbotada sem manutenção nenhuma. Há um cartaz grande, onde são explicados os trabalhos realizados na torre, sob a batuta do artista plástico Jobson Figueiredo, que foi o responsável . Ele é um apaixonado pelos dirigíveis.

Se a verba chegou a ser totalmente aplicada, foi dinheiro investido, escoando pelo ralo. Porque é provável que, diante do abandono, as futuras e necessárias intervenções sejam ainda mais caras do que as já realizadas. Infelizmente, aqui no Recife sempre foi assim. Não se faz manutenção de nossas relíquias históricas, artísticas e arquitetônicas.  E o resultado é que gasta-se muito mais depois com  reposição do que foi estragado ou roubado. Se tanto dinheiro foi investido na implantação do “parque”, ele deveria estar funcionando e não  virando um matagal. A situação  da torre só não é pior, talvez, porque ao seu lado fica uma unidade militar.  Imaginem se ali houvesse só o descampado isolado e vazio. A torre já teria desaparecido para ser vendida no ferro velho, como ocorreu com  64 das 72 peças do Parque de Esculturas Francisco Bennand, que fica em frente ao Marco Zero, no Recife Antigo.

Abaixo, você confere mais informações sobre a torre de atracação de zeppelins e também sobre a pilhagem no Parque de Esculturas Francisco Brennand.

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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2 comments

  1. Lamentável. Quem foi pra caminhada, só tem que concordar e parabenizá-la pelo seu texto Letícia, como sempre, perfeito. Uma raridade, a Torre única no mundo… Pernambuco está a cada dia se profissializando de como não fazer turismo, como não valorizar seu patrimônio. Triste😞😞😞

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