Justiça substitui audiência por registro audiovisual: Solução moderna e criativa

Nada como mostrar uma boa prática.  E se esta facilita a vida das populações carentes, melhor ainda.  Principalmente quando o objetivo é democratizar o acesso à justiça, tornando-a mais rápida inclusive para reconhecer os direitos de quem tanto dela precisa. Pois é o que está acontecendo em Pernambuco, mais precisamente em Goiana, onde a usual burocracia de audiências e perícias em busca de benefícios previdenciários  vem sendo substituída por registros audiovisuais. Ou seja, vídeos feitos com telefone celular pelo próprio interessado. Inovadora, a iniciativa reduziu  o tamanho da fila de audiências represadas em 30 por cento, informa Fernando Ximenes, Juiz Federal Substituto da 25ª Vara, que  funciona naquele município,  localizado a 60 quilômetros do Recife.

A experiência foi apresentada durante o 3º Encontro Íbero-Americano da Agenda 2030 no Poder Judiciário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, entre os dias 1 e 2 de junho.  O CNJ recomenda o desenvolvimento de projetos que estejam em sintonia com os 17 objetivos da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável da ONU. E entre estes, encontra-se – claro – o combate à pobreza. Então, a iniciativa foi reconhecida por beneficiar lavradores que, muitas vezes, penam por anos na justiça para conseguir benefício previdenciário. Para os que não sabem: É contra o INSS a maior quantidade de processos ajuizados na Justiça Federal. Devido ao aspecto inovador e ao seu alcance social, a iniciativa do jovem magistrado foi selecionada pelo Tribunal Regional Federal da Quinta Região para ser apresentada naquele Encontro.  O modelo foi  criado durante o isolamento social imposto pela pandemia.

O recurso audiovisual tem ajudado trabalhadores rurais a conseguir aposentadoria, sem necessidade de audiência presencial.

“A pandemia trouxe inúmeras dificuldades para a administração da Justiça. Inúmeras atividades dependiam de contato pessoal, como a realização de audiências e perícias”, conta o Juiz. “Tivemos então que pensar em novas maneiras de realizar essas atividades, com a redução do risco de contágio pelos servidores do judiciário. Daí, surgiu a ideia do registro audiovisual”, explica o magistrado. Funciona assim: Os  testemunhos colhidos em audiências são substituídos por vídeos realizados pelo interessado, com o auxílio de seu advogado, no local do trabalho. De acordo com o Juiz, o INSS é intimado. E, caso queira, participa do ato. Para Fernando Ximenes, as imagens e o áudio “garantem suficiente confiança para ajudar no convencimento do juiz, que pode observar o cotidiano do cidadão com seus próprios olhos”. Além disso, deve  haver comprovação da geolocalização. “Ou seja, a parte deve provar através do telefone que está, no momento da gravação, no local onde afirma trabalhar”. Coisa simples demais.

“Além do Nordeste ser  uma região muito pobre, a situação da população rural é de muita carência, dependendo quase sempre de subsídios do governo federal. Para muitas famílias, a solução é a conquista da aposentadoria”, afirma  a Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira, que à época da seleção do caso para ao Encontro, estava como Juíza Auxiliar da Presidência do TRF-5, a quem cabia indicar iniciativa que fosse mais representativa da Agenda 2030. Ela acha que a decisão de Ximenes rompe com certos tradicionalismos na Justiça.   “O projeto consiste na quebra de paradigma do poder judiciário. Uma audiência presencial  exige no mínimo duas testemunhas.  Mas em vez de audiência, em Goiana, a pessoa pede ao advogado para fazer um vídeo, com prova georreferenciada”. Ela comemora:

Durante a pandemia, como vários outros organismos da sociedade, o Judiciário fez mudanças para melhor. E rompeu certos tradicionalismos, deixando a justiça mais moderna, mais acessível e mais rápida.  No âmbito do TRF-5,  entre março de 2020 e março de 2021, tivemos um aumento de oito por cento nos atos praticados, entre sentenças, decisões, despachos e acórdãos. 

Em Pernambuco – um dos seis estados de jurisdição do TRF-5 – o crescimento foi ainda maior no período: 15 por cento. Perguntei ao Juiz se substituição de audiências por recursos audiovisuais está prevista na legislação. ” O Código de Processo Civil não estabelece a taxatividade dos meios de prova”, diz. E argumenta: “Isso significa que o cidadão pode se utilizar de todos os meios de prova que possam assegurar a comprovação de sua situação em juízo, desde que sejam legítimos”. Diante do sucesso da iniciativa – com a redução da fila de audiências – Ximenes faz uma previsão:

A ideia do registro audiovisual deve se espalhar para outras classes de processos, em outras Varas pelo país.

Joana Carolina lembra que para romper com o tradicionalismo, não basta a vontade de um lado só. “Tem que ter parceria entre o Judiciário e as partes para simplificação dos processos, sobretudo para vencer as dificuldades da pandemia”.

Veja abaixo, o vídeo que foi apresentado no 3º Encontro Íbero-Americano da Agenda 2030 no Poder Judiciário:

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos e vídeo: Juliana Galvão / Divulgação / TRF-5

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