Novo vandalismo no Circuito da Poesia

Não há ninguém no Recife que não conheça esses versos: “São trinta copos de chope/ trinta homens sentados / trezentos desejos presos / trinta mil sonhos frustrados”. Talvez, porém, não saibam que o seu autor foi o poeta Carlos Pena Filho (1929-1960), em seu poema Guia Prático e Sentimental do Recife, no qual fala do Bar Savoy, de saudosa memória entre os boêmios, intelectuais e até historiadores da cidade. O Savoy era tão famoso que chegou a receber Paul Sartre e Simone De Beauvoir assim como o cineasta italiano Roberto Rosselini, no século passado. Nem por isso foi preservado. Sumiu do mapa. E Carlos Pena Filho era um dos seus frequentadores mais assíduos.

Agora, queria saber se alguém pode me responder o que têm em comum Ascenso Ferreira, Luiz Gonzaga, Ariano Suassuna e Carlos Pena Filho, além de integrarem o chamado Circuito da Poesia, no qual  dezoito figuras proeminentes da nossa cultura são homenageadas com estátuas espalhadas pelo Recife?  Não, o ponto em comum não é a sapiência, a poesia nem a fama. É que as estátuas dos quatro personagens acima citados, tão importantes para Pernambuco e para o Brasil, foram vítimas de vandalismo.  Já houve golpes contra Ascenso, Gonzaga e Suassuna. Este chegou a ser jogado no chão. Pois agora foi a vez de Carlos Pena Filho sofrer a ação de vândalos. O local onde ele fica, aliás, já vem enfrentando degradação há um bom tempo. A Praça da Independência, também chamada de Pracinha da Independência – de tanto valor histórico – está parecendo uma ratoeira, de tão suja.

É lixo, sujeira nos seus espelhos d´água, canteiros sem gramados e tem até sido palco de assaltos a pedestres que circulam no local. Também vive ocupada por moradores de rua, dependentes químicos e “meninas” e “meninos” que vivem de vender o corpo a preços vis.  Em um das minhas incursões pelo bairro de Santo Antônio com o Grupo Caminhadas Domingueiras, ainda antes da pandemia, encontrei a Praça parecendo ter sofrido um bombardeiro. Além de toda a decadência da Pracinha, defronte à antiga sede em ruínas do Diário de Pernambuco, vi a estátua do poeta servindo de apoio para secagem de roupa dos moradores do local (foto abaixo). Curiosamente, da mesma cor que o “poeta do azul” tanto amava.

Na Avenida Guararapes / o Recife vai marchando. / O bairro de Santo Antônio, / tanto se foi transformando / que, agora às cinco da tarde / mais se assemelha a um festim . / Nas mesas do Bar Savoy / o refrão tem sido assim: / são trinta copos de chope, / são trinta homens sentados / trezentos desejos presos / trinta mil sonhos frustrados.

Pois agora aconteceu o pior. Ninguém sabe quem fez. Mas o fato é que a mesa de concreto que fica na frente a estátua do poeta ruiu. E não parece ter caído por problema na estrutura não, mas sim por vandalismo mesmo. Alguém ou pisou – e a mesa não aguentou o peso – ou ela caiu depois de marretadas. Um horror. O que não é de surpreender.

Parece que no Recife não há câmeras de segurança para ajudar o poder público a incriminar os vândalos.  Temos obras de Abelardo da Hora que foram pilhadas e assim permanecem. E o que dizer do Parque de Esculturas Francisco Brennand, no Marco Zero, onde 64 de79  peças doadas pelo escultor e ceramista foram furtadas na gestão passada? Entre elas, uma serpente de bronze com mais de 20 metros de comprimento….

As 18 estátuas que compõem o Circuito da Poesia constituem um dos 300 roteiros do Projeto Olha! Recife, que faz passeios gratuitos que ajudam turistas e a própria população a conhecer melhor os encantos da capital mais antiga do Brasil.  Nos quais, no entanto, não há como esconder também as mazelas da cidade. Os passeios – três por semana – são ofertados pela Prefeitura.

Abaixo, você pode conferir outras ações de vandalismo que decorrem, também, da inércia do poder público. Infelizmente.

Leia também
Estátua de Ariano no chão
Decadência na Praça da Independência
Sessão Recife Nostalgia: o Savoy e o Recife de Carlos Pena Filho
Carlos Pena dos “desejos presos” na APL
Carlos Pena Filho: Trina copos de chope e memória no Museu do Estado
Circuito da Poesia ganha QR Code. Será que os vândalos vão ter mais respeito?
Pronto projeto para recuperação do Parque de Esculturas no Marco Zero
Torre de Cristal sai do breu, mas peças ainda estão sem reposição
Que breu é esse na Torre de Cristal?
Torre de Cristal não pode apagar: Trevas onde devia haver luzes
Depois de pilhado à exaustão, Parque das Esculturas terá segurança 24 horas
O drama do Parque de Esculturas: Proteger o patrimônio não é caro
Instituto Oficina Francisco Brennand: O Recife não merece tamanho desrespeito
Parque das Esculturas pilhado. Cadê a serpente que estava aqui?
Parque das Esculturas e indignação: “Esse post é um pedido de socorro”
Marginais roubam tudo, de escultura de uma tonelada a trator. Punição…
Arte monumental & natureza generosa
Outra obra de Francisco Brennand sofre degradação no Centro. Veja qual é
A voz do eleitor: Que prefeito respeite mais o Recife e o recifense
Mural sobre Restauração Pernambucana precisa de reparos
Estátua de Ariano no chão
Uma “pérola” na comunidade do Pilar
Fórum Arte Cidade movimenta o Recife
Monumento ao maracatu pilhado
Os remendos nas pedras portuguesas
Vandalismo dá prejuízo de R$ 2 milhões
Apipucos: Adeus às antigas luminárias
Cine Glória: Art-Noveau e decadência
Cine Glória agora é Lin-Lin
Pátio de São Pedro está sendo pilhado
Que horror: Pátio de São Pedro fica sem lampiões até depois de julho
Cadê os lampiões da Ponte Velha?
Ponte da Boa Vista ganha abraço
Ponte da Boa Vista pede socorro
Ponte da Boa Vista: efetuada reposição mas faltam reparos
Bonde vira peça de museu e trilhos somem do Recife sem memória
Recife da paisagem mutilada
Secular Magitot vira ruína na Várzea
A cidade que precisamos
Hamburgo e Recife: semelhanças

Aos 483, o Recife é lindo? Veja fotos
Com Hans, entre o barroco e o rococó
De olho nas luminárias da Bom Jesus

Art Déco: Miami ou Recife?
Passeio do estilo colonial ao moderno bossanovista
Vamos salvar o centro do Recife
Caminhadas Domingueiras: Mergulho no estilo neocolonial no Recife

Você está feliz com o Recife?
O índice de felicidade urbana do Recife
Viva 2018, Recife
O Recife que queremos, em 2019
Recife, cidade parque em 2037
Recife se prepara para os 500 anos
Uma cidade boa para todo mundo
Recife, mangue e aldeões guaiás
Livro mostra mania pernambucana de grandeza: “O mundo começava no Recife”
Livro mostra jardins históricos do Recife

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos
do leitor

Continue lendo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.