Escola Técnica Estadual em Floresta tem disciplina sobre a cultura do couro e dos vaqueiros do Sertão

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Quando eu era criança, lembro que alguns livros didáticos relacionavam informações que nada tinham a ver com a nossa realidade. Eram histórias contadas pela ótica dos vencedores e colonizadores, e até a descrição das estações do ano tinha a ver com o clima europeu e não com o nosso. “No verão os dias são muito mais longos e as noites muito mais curtas, e no inverno são as noites longas e os dias curtos”, fenômeno que no Nordeste não chega a ser observado, assim, com tanta diferença. Observava o tempo e ficava sem entender o que diziam os livros e os professores. Uma vez, aos 14 anos, visitava a Europa com o meu pai, durante o inverno, e lembro que por volta de oito da manhã o dia ainda parecia noite. Foi, então, que lembrei dos equívocos nos livros escolares.  Felizmente essa cultura de voltar as costas para os nossos fenômenos naturais, costumes e saberes vem mudando.

Um exemplo da mudança  é o que acontece na Escola Técnica Estadual (ETE) Deputado Afonso Ferraz, que fica em Floresta, município localizado no Sertão de Pernambuco, às margens do Rio São Francisco. É que às 16h dessa sexta-feira (22/12), a ETE promove celebração litúrgica de final de ano, com a sua I Missa do(a) Vaqueiro(a). Tudo para enaltecer e reconhecer esses personagens tão icônicos que, encourados, enfrentam os espinhos da caatinga, para guiar o rebanho. A homenageada é Soneide Vaqueira, da unidade de ensino.  E que é  importante representante feminina da cultura vaqueira sertaneja. A atividade marca o encerramento da disciplina eletiva “Sertão dos/as Encourados/as: memória, história e cultura da vaqueirama florestana”. Através da lente teórica feminista, a disciplina desenvolveu um processo de pesquisa e imersão na tradição vaqueira. E, consequentemente, na gênese da Missa do Vaqueiro de Floresta, buscando compreender qual é o lugar da mulher nessa cultura. Embora a mais famosa liturgia do gênero ocorra em Serrita – a 549 km do Recife – a ETE informa que “o município de Floresta é o berço da Missa do Vaqueiro, importante tradição do Sertão pernambucano”. Floresta fica a 429 quilômetros da capital pernambucana.

 Segundo o professor Paulo Henrique Novaes, que ministrou a disciplina, essa é a primeira vez que uma missa desta natureza lança luz sobre o gênero feminino, na perspectiva da inclusão. “São 65 edições, essa missa é celebrada desde 1958, mas nunca se flexionou o gênero. A Soneide Vaqueira tem fama regional e nacional. Ela estampa livros, reportagens, documentários e matérias de TV. Porém, é a primeira vez que uma mulher vaqueira é a homenageada principal de um evento dessa magnitude”. A Missa seguirá todos os ritos do evento original: desfile tradicional dos vaqueiros e vaqueiras pelas principais ruas da cidade, missa campal, que será celebrada pelo padre Luciano Aguiar, e atração local de forró de vaquejada, representada pelo cantor Dilsinho Vaqueiro. 

A escola possui muitos estudantes inseridos na cultura da vaquejada, que são filhos de vaqueiros ou já exercem o ofício. Porém, no decorrer da disciplina, o professor Paulo Henrique também percebeu um grande interesse das alunas na música de forró de vaquejada. “Focamos nas perspectivas de interesse desses estudantes através de uma lente teórica feminista, com autoras feministas latino-americanas, numa abordagem decolonial. Assim, começamos a compreender qual é o lugar da mulher nessa tradição cultural do sujeito social vaqueiro”, explica Paulo Henrique.

Alunos de escola de Floresta acabam o ano letivo com trabalho sobre a cultura do couro e vaqueiros do Sertão

A partir daí, a disciplina seguiu uma abordagem interdisciplinar, que envolveu artes visuais, Literatura Brasileira focada nos sujeitos sociais vaqueiro/a e sertanejo/a, além de conteúdos de Sociologia, Língua Portuguesa, História e Geografia. Pesquisadores, escritores e produtores culturais da região foram mobilizados para dar auxílio ao projeto dos estudantes.  Conceitos fundantes das teorias feministas, como o de identidade de gênero, foram trabalhados a partir de autoras como Angela Davis e Chimamanda Ngozi Adichie.

“Foi um trabalho integrado para entender que a pessoa é atravessada por vários marcadores sociais, como raça, etnia e gênero. Como uma forma de combinar esse trabalho com essas teóricas do feminismo, nós fizemos cartografias imagéticas de Soneide Vaqueira e a biografia dela”, explica o docente. Muito bom. A ação já pode ser inscrita nesses tantos concursos sobre práticas interessantes e inovadoras na educação. E viva o educador Paulo Freire que plantou tantas sementes que norteiam trabalhos como o da ETE de Floresta, não é?

Abaixo, você confere mais informações sobre iniciativas interessantes da escola pública no Estado

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Serviço
I Missa do/a Vaqueiro/a da ETE Deputado Afonso Ferraz
Local: Jardim externo da escola – Avenida Deputado Audomar Ferraz, 99, Floresta
Data: 22/12/2023, às 16h

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação

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