Há 110 milhões de anos, o Sertão era mar. Pelo menos, é o que mostram os fósseis marinhos achados na região do Araripe (que fica entre o Ceará, Pernambuco e Piauí) e que há décadas são estudados por pesquisadores do mundo inteiro. Depois, é aquela história que vocês já sabem: estiagens, solos salinizados, levas de migrantes, paisagem agreste da macambira e do mandacaru. No século 19, veio a profecia do beato Antônio Conselheiro: “O Sertão vai virar mar”. Não virou, mas chegou perto.
É que na década de 1970, foi construída a represa de Sobradinho, com seus 4.214 quilômetros quadrados, então o maior lago artificial do mundo. Com ele, cinco municípios da Bahia “naufragaram”. Hoje fica entre os maiores do Planeta. Seu gigantismo até inspirou música “Sobradinho”, de Sá e Guarabyra: “O homem chega e desfaz a natureza / tira gente põe represa / diz que tudo vai mudar”. Lembra a dupla que “debaixo d´água lá se vai a vida”, “o Sertão vai virar mar”. O último verso alimenta o imaginário popular e ainda hoje é repetido, como acontece em pleno 2022, quando as chuvas chegaram em excesso no meio da caatinga, dizimando os campos de fruticultura do Sertão do São Francisco. Pois agora, O Sertão Virou Mar mesmo. Pelo menos, este é o nome da exposição que entra em cartaz a partir das 17 horas da quarta-feira (19/01) na Sala São Francisco, do Cais do Sertão, no bairro do Recife, inicialmente só para convidados.
A partir da quinta, estará aberta ao público, das 10h às 16h, devendo permanecer em cartaz até 19 de março, por coincidência uma data importante para os sertanejos. É que o 19 de março, dia dedicado a São José, é tido como marcador do tempo: se chover, é indicativo de bom inverno, os lavradores começam a semear. Caso contrário, ninguém nem leva as sementes de milho para o eito. A mostra é do artista visual potiguar Azol, com curadoria do crítico de arte Marcus de Lontra Costa, e traz 53 imagens, que unem narrativas de duas paisagens tão distantes mas tão próximas: o mar e o sertão. São fotomontagens, videoartes, pinturas e instalações idealizadas pelo artista. Para compor o trabalho – que passa pelo realismo mágico e pela utopia – o Azol produziu fotografias nos sertões do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia. “A rudeza, a aspereza se complementam à abundância do mar nos ambientes fotografados, que se transformam em um mundo repleto de novas realidades”, diz o catálogo da exposição.
O sonho de mar e caatinga, de sol e chuva, sal e água, já inspirou, também, filmes como o belíssimo História da Eternidade, que mostra como o Sertão e o mar são tão próximos no imaginário popular. E livros como o Sertão Verde, de Fred Jordão, em cujas fotografias se exibe a poética e o verde vicejante da caatinga, após as primeiras chuvas. Então, Sertão, Água, Mar, Caatinga, sempre estão próximos das fantasias, da realidade, da vida, da poética das pessoas. Mas é Azol que explica a relação do mar com o Sertão em sua arte, mistura de utopia e realidade:
“Procuro ajudar o observador a embarcar numa jornada para o sublime. O mar é uma metáfora utópica para a criação de um sertão que é o contraponto da sua realidade. As fotografias produzidas apresentam fragmentos do real que se impregnam de múltiplos significados e sentimentos, se tornam plurais, transformadas pela provocação que se faz à imaginação. Caatinga, seca, a rudeza e a aspereza dos ambientes registrados são transformados em novas realidades, aquelas que, em nosso inconsciente, as chuvas poderiam revelar: abundância, esperança, fertilidade. O mar é água, é a força transformadora do sertão; nos convoca à construção de uma possível existência.
A exposição é a primeira do ano no Cais do Sertão, equipamento gerido pelo Governo de Pernambuco.” Estamos muito felizes em receber a primeira exposição do ano no Cais, e ainda mais por ela se relacionar com o Sertão, esta região que é tão bem representada no acervo do museu, que inspira todo o projeto e concepção do equipamento”, afirma o Secretário de Turismo e Lazer de Pernambuco, Rodrigo Novaes, que é sertanejo do município de Floresta, e que faz questão, sempre, de puxar a cultura do Sertão para o ambiente urbano do Recife. Para conferir a exposição, o visitante deverá apresentar na entrada o passaporte vacinal e seguir os protocolos sanitários estabelecidos pelo Governo de Pernambuco, como uso de máscara facial, higienização das mãos com álcool em gel e manter o distanciamento social no espaço. O acesso é feito pela entrada principal do centro cultural.
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Serviço:
Mostra “O Sertão Virou Mar” .
Data: 19 de janeiro a 19 de março,
Local: Cais do Sertão (Armazém 10, Av. Alfredo Lisboa, s/n – Recife, PE, 50030-150)
Horário: Quinta a domingo, das 10h às 16h
Ingresso para a entrada no museu: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação e Governo de Pernambuco