Cavani Rosas na Christal Galeria, entre raízes, ramificações, tormentas, lugares e cultura popular

A noite da quinta-feira (16/3)  é do artista Cavani Rosas. É que ele está inaugurando a exposição Raízes e Ramificações, a partir das 18h na Christal Galeria, que fica no Pina, Zona Sul do Recife.  Dono de um traço forte e preciso, ele é – também – um dos melhores artistas brasileiros, ao recriar a anatomia humana  com precisão cirúrgica. E isso se observa tanto em um corpo nu, quanto em um camponês esquálido diante de um sol causticante, ou ainda em uma figura da cultura popular, como o lanceiro do maracatu rural (foto acima)  do qual só só a face e as mãos estão expostas. Reparem a perfeição do rosto do caboclo de lança que abre esse post.  Cavani também é mestre em expor personagens com a expressão atormentada, retrato de algum desespero. O tormento, aliás, sempre  marca presença nas criações do artista que, como qualquer pessoa, tem lá suas angústias. A diferença é que ele as transforma em arte.

Tanto é assim, que a individual a ser inaugurada, é dividida em três agrupamentos temáticos, sendo que um deles passa, necessariamente, pela Tormenta. As criações do artista, nesse setor, são muito convincentes. Passam a ideia de profundo desespero. Com curadoria do jornalista Júlio Cavani – filho do artista – a expô Raízes e Ramificações tem 31 desenhos e cinco esculturas, assim reunidas:   Lugares e Cultura, Formas Orgânicas e Tormenta. Em Lugares e Cultura, o artista mostra os casarios seculares de bairros como Boa Vista e Poço da Panela. Em alguns casos, reproduzindo interiores, como ocorre com a icônica Venda de Seu Vital, um dos principais pontos de referência do Poço, e que fica defronte da histórica e secular Igreja de Nossa Senhora da Saúde. Ele também mostra a riqueza do Cavalo Marinho e do Maracatu Rural, manifestações que se destacam na cultura popular de Pernambuco.

A icônica venda de Seu Vital, do Poço da Panela, está incluída na exposição de Cavani Rosas: Cultura e Lugares

Os caboclos de lança do Maracatu Rural, aliás, fazem parte de uma outra obra do artista, através de esculturas gigantescas do Parque dos Lanceiros, em Nazaré da Mata, na Região Canavieira de Pernambuco (que esteve na iminência de ser destruído pela Prefeitura, conforme noticiou o #OxeRecife). Na individual, ele mostra a riqueza dos lanceiros do também chamado maracatu de baque solto.  Voltando à Christal, um outro espaço, intitulado Formas Orgânicas, retrata a complexidade da natureza, através de árvores sagradas e poderosas como os baobás (que chegam a viver mais de 3 mil anos). Também recria gameleiras e fícus, árvores que representam a força da natureza e que destroem o que acham pelo caminho para fincar raízes e expandir o seu espaço. Em preto e branco, o desenho de Cavani ressalta texturas de caules, pétalas, folhas que, na natureza, reproduzindo detalhes da natureza com seu olhar quase microscópico.

Figuras atormentadas sempre marcaram presença no trabalho de Cavani Rosas: angústia que vira arte e um nó no juízo.

A terceira sala, definida como Tormentas, é formada por desenhos sombrios que foram sempre uma marca do artista, nesses 50 anos de carreira. Há figuras que lembram um nó no juízo, impossível de ser desatado. São, pois, o retrato de crise existencial, de agonia diante de problemas políticos e sociais, nacionais ou internacionais. As obras transmitem o desconforto emocional sofrido pelo ser humano em situações aparentemente kafkianas, como as que o Brasil viveu nos últimos anos, capitaneado por um governo insano.

Os quadros e esculturas apontam entrelaçamentos entre caminhos distintos, dentro de um conjunto coeso e ao mesmo tempo heterogêneo, desenvolvido e amadurecido de forma natural ao longo de cinco décadas. “A arte de Cavani é como uma árvore que, com raízes bem fincadas, se expande em infinitas composições de folhagens e ramificações”, define Julio Cavani, ao analisar a obra do pai.

Aos 70 e com meio século de carreira, Cavani Rosas expõem a precisão do seu traço na Christal Galeria, no Pina

Com mais de meio século de carreira, Cavani Rosas, 70, é natural de Pernambuco. Atuou em Campina Grande, Recife, Olinda, Rio de Janeiro, São Paulo e atualmente mora no Recife. É um dos maiores mestres do desenho em Pernambuco, e por que não dizer do Brasil, com reconhecimento e consagração tanto no meio artístico quanto no campo científico (já trabalhou até fazendo desenhos de anatomia humana para livros de medicina, o que lhe ajudou a aperfeiçoar a anatomia dos seus personagens).  Com um domínio perfeccionista nos elementos de perspectiva, texturas e anatomia, associado a uma forte expressividade autoral, o desenhista recifense desenvolveu um estilo próprio e inconfundível, compartilhado na formação de novas gerações de artistas que já foram seus alunos e assistentes ao longo das últimas décadas.

No trabalho de Cavani, desenhar é um gesto de criação, pesquisa, expressão poética e preservação cultural. Mas é, também, um grito de socorro ou exaltação. Seu desenho tanto pode ser uma forma de se libertar dos seus problemas existenciais, quanto um protesto contra qualquer tipo de opressão, seja política, econômica ou social. Ao mesmo tempo, consegue chamar a atenção para a simplicidade do ambiente interno seja de um bar  (na Vila Madalena, em São Paulo) ou de uma venda (como a de Seu Vital, no Poço da Panela). Assim como mostra com a mesma garra os minuciosos detalhes da natureza que passam despercebidos ao olho comum, como a textura de caules, folhas, flores. Ou ressalta ainda mais a  exuberância  da cultura popular, como os lanceiros do maracatu rural, como faz com as esculturas gigantescas do Parque dos Lanceiros, em Nazaré da Mata, a 61 quilômetros do Recife. Ou com os desenhos sobre os caboclos de lança que integram a mostra da Christal.

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Serviço
Exposição Raízes e Ramificações
Onde: Christal Galeria
Endereço: Rua Estudante Jeremias Bastos, 266, Pina
Inauguração: quinta-feira, 16/3
Horário: 18h às 21h
Visitação: de segunda a sexta, das 10h às 19h; aos sábado, 10h às 15h

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação

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