O tema cangaço e o seu maior protagonista, sempre despertam o interesse da população brasileira, em geral. E, em particular, do pernambucano. Virgulino Ferreira, mais conhecido como Lampião (1898-1938), virou um mito que mexe, ainda hoje, com o imaginário popular. Para uns, não passava de um rebelde sem causa. Para outros, representa um símbolo do Sertão famélico, marcado pela inexistência do estado e dominado pela “lei” dos coronéis, como eram chamadas as lideranças políticas do interior no final do século 19 e início do século 20. Para entender aquele fenômeno social, há muitos livros. Um deles, porém, é indispensável: Guerreiros do Sol: Violência e banditismo no Nordeste do Brasil, que será relançado às 19h dessa quinta-feira (23/03), na sede da Academia Pernambucana de Letras. A iniciativa é da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).
É um livro que não pode faltar na estante de leitores interessados no tema do cangaceirismo, e que já pode ser definido como um clássico nessa temática. O título é de autoria do pesquisador Frederico Pernambucano de Mello, autor, também, de outras “bíblias” que enfocam fatos históricos do Sertão como “A Guerra de Canudos” e “Abrahão Benjamim, entre anjos e cangaceiros“. Em “Guerreiros do Sol“, ele faz um estudo detalhado do cangaço à luz do poder, da estética e da mística em volta desse período da história. O livro foi publicado pela primeira vez em 1985, estava esgotado e chega agora à sexta edição. O autor é referência em estudos sobre o cangaço e uma das maiores autoridades no assunto no Brasil e no mundo. Com 544 páginas – quase cem a mais do que as edições anteriores – o livro é ricamente ilustrado e ancorado numa extensa pesquisa realizada em jornais, na poesia sertaneja, em documentação histórica e em depoimentos escritos e orais. Ao longo do trabalho, ele entrevistou não só sobreviventes do cangaço como das volantes, forças policiais que combatiam Lampião e o seu bando.
No livro, ele traça um panorama do homem sertanejo, descreve a violência instalada no país, analisa as formas de cangaço e ressalta a teoria do “escudo ético”, argumento da vingança usado por cangaceiros para exercer a bandidagem. O “escudo” foi invocado por Lampião para justificar sua entrada no cangaço, como vingança pela morte do pai. Ele prometia retaliações contra os acusados, José Saturnino e José Lucena de Albuquerque Maranhão, a quem responsabilizava pela vida que levava.
Ele analisa as figuras do cangaceiro, jagunço, pistoleiro, capanga, cabra e valentão. “O cangaceiro mostra não ter sido fenômeno homogêneo, divergindo segundo a motivação que levava o indivíduo a tomar armas, bem assim pela conduta adotada”, destaca. Assim, ele identifica o cangaço como meio de vida (Lampião e Antônio Silvino são os principais representantes), o cangaço como instrumento de vingança (Jesuíno Brilhante e Sinhô Pereira são os grandes exemplos) e o cangaço como refúgio (Ângelo Roque é o mais expressivo). Elogiado por pesquisadores nacionais e estrangeiros, como o sociólogo Gilberto Freyre e Billy Jaynes Chandler (escritor norte-americano com livros lançados sobre o cangaço brasileiro), Guerreiros do Sol é o resultado de uma vida dedicada à pesquisa.
“Fazer-se cangaceiro era protagonizar uma tradição brasileira de insurgência coletiva, rural, armada e metarracial, essa última característica significando que se podia ascender na hierarquia dos bandos de cangaceiros independentemente do tipo racial a que se pertencesse. Lampião era caboclo; Corisco, louro dos olhos claros; Luiz Pedro, Candeeiro e Elétrico, sararás; Zé Baiano, negro; Zé Sereno, negroide; Cobra Verde, moçárabe; Gato e Peitica, índios quase puros; Maria Bonita, alva; Dadá, mulata; Inacinha, índia”, diz Pernambucano.
Há tempo dedicado ao estudo do cangaço, Pernambucano não se baseia só em textos, em livros, em documentos. Desde jovem dedica-se à pesquisa sobre o assunto, tendo colhido documento de sobreviventes dos tempos do cangaço. Foram experiências “de vivência e de convivência notadamente os verdes anos”, época em que ele esteve “com muitos remanescentes do ciclo histórico do cangaço, em andanças intermináveis pelo Sertão”. E destaca:
Dos remanescentes, quem mais me ajudou foi Miguel Feitosa Lima, o cangaceiro Medalha, que andou com Lampião de 1921 a 1925, de quem findei me tornando “afilhado de fogueira”, instituição sertaneja hoje em desuso. E há o tempo sistemático de pesquisa, desenvolvido, no meu caso, sobre o cabedal de vivências mencionadas acima. Nesse segundo domínio, levei cerca de dez anos, gastando saliva em entrevistas e comendo poeira em arquivos.
O livro será lançado às 19h dessa quinta (23/03) na APL, que fica na Avenida Rui Barbosa, 1596, Graças, Recife. O livro custa R$ 80 (impresso) e R$ 32 (e-book).
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação / Cepe