Caminhadas Domingueiras: Percurso entre os dois arraiais do século 17 que fizeram história em PE

Você, por acaso, já esteve algum dia, no Forte do Arraial Novo do Bom Jesus? Sabe onde ele fica? Ou melhor, ficava? Porque dele só restam as ruínas e um obelisco pichado por vândalos, para lembrar a organização das lutas contra os invasores holandeses. E a ingratidão da história não é recente. Em sua viagem a Pernambuco, em 1859, o Imperador Dom Pedro II andou procurando o monumento, mas para sua frustração  nem vestígio encontrou.

Anos mais tarde, o local foi identificado pelo Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Pernambuco que, em 1872,  inaugurou ali um monumento para assinalar a importância do local, que é tombado pelo IPHAN e ao redor do qual funciona uma praça, que é administrada pela Prefeitura do Recife. O Forte do Arraial Novo funcionou ali entre 1645 e 1654, e é considerado como o primeiro quartel brasileiro. Dele, saíam as tropas para combater as investidas dos holandeses em Pernambuco. Fica ao final da Estrada do Arraial Novo do Bom Jesus, entre os bairro de Cordeiro e Torrões.

Estivemos na Praça onde fica o monumento, hoje, com a última edição do ano das Caminhadas Domingueiras, que são comandadas pelo arquiteto, consultor e urbanista Francisco Cunha. Fizemos com  o grupo o percurso de nove quilômetros entre o Arraial Velho do Bom Jesus (que fica no Sítio da Trindade, em Casa Amarela) e o Arraial Novo (situado ao final da Estrada  do Arraial Novo do Bom Jesus). Segundo o livro de tombo do IPHAN, o Arraial Novo está no bairro de Iputinga, mas os moradores chamam a localidade de Torrões. Já as empresas imobiliárias e os aplicativos de GPS indicam  o local como Cordeiro.

No Sítio da Trindade, com sinalização precária, paredes de terra do Forte do Arraial Velho, em Casa Amarela.

Infelizmente, o monumento que assinala a heroica resistência dos brasileiros contra os holandeses nos dá a impressão de abandono. Está pichado, sem placa (parece que passaram cal em cima ou roubaram), e não há cuidado de jardinagem ao seu redor, embora o ambiente seja aprazível e bucólico, podendo – portanto – ser muito melhor aproveitado. O abandono não é recente. “Não mais existe a cruz latina no topo da coluna, foi roubada”, acusava Rubem Franca (1923-2016), no livro “Monumentos do Recife”, publicado em 1977 pelo Governo de Pernambuco. Em melhor situação, está o Sítio da Trindade, onde funcionou entre 1630 e 1634, o pioneiro Arraial Velho do Bom Jesus, implantado por Matias de Albuquerque. Ele fica no Bairro de Casa Amarela, e é sua última grande área verde em formato que lembra os sítios do passado.

À margem do Riacho Parnamirim (hoje transformado um esgoto a céu aberto), da fortaleza só restam algumas ruínas de muralhas de areia, que faziam parte do Forte do Arraial Velho do Bom Jesus, implantado sob o comando de Matias de Albuquerque. Ele foi erguido em local estratégico, com a finalidade de evitar que os holandeses penetrassem no interior para ocupar os prósperos engenho de cana de açúcar da época e terminou sendo tomado pelos flamengos em 1635. No Sítio, Francisco Cunha lembrou que o local é duplamente histórico, pois além de foco de resistência no século 17, foi sede do Movimento de Cultura Popular, no século 20. O MCP, como ficou conhecido, foi aniquilado durante a ditadura, implantada em 1964, já que o governo militar achava que educação e cultura eram subversão. No Sítio da Trindade,  falta sinalização para as ruínas do Forte do Arraial Velho. Ali consta, também obelisco para lembrar sua importância histórica de pioneira resistência. Ou seja, nosso passeio de hoje foi de Forte a Forte, do Arraial Velho (no Sítio da Trindade) ao Arraial Novo (na Iputinga). Entre um e outro, foram pouco mais de nove quilômetros, com parada no Mercado da Madalena e uma caminhada sob sol a pino, pela Avenida Caxangá, onde a arborização está cada vez mais precária. Valha-me Deus, o calor está cada dia pior no Recife do arboricídio!

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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