As loiceiras de Tacaratu e a arte de produzir à mão os utensílios da ancestral cozinha pankararu

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Claro, a Fenearte é sempre imperdível. Pois além de uma festa para os olhos, é uma chance que temos de conhecer melhor o Brasil. Sua cultura, suas raízes expressos através do seu rico artesanato.. Mas como em 2023 o tema da Feira se refere à tradição do barro (“Loiceiros de Pernambuco – Arte da Terra, Poesia das Mãos”) o #OxeRecife recomenda que você não deixe de visitar a exposição “As Loiceiras de Tacaratu – A arte milenar das mulheres do meu Sertão”, da fotógrafa pernambucana Ana Araújo, também curadora da mostra. É que o visitante vai mergulhar  em uma cultura de tradição milenar, que é a produção  totalmente manual de utensílios domésticos em barro, entre os povos da etnia pankararu. Com um detalhe: as artesãs de Tacaratu mantêm a forma primitiva e sequer utilizam o torno que, como lembra Ana “é uma ferramenta já considerada antiga nas olarias e na produção de cerâmicas”. Ou seja,  tudo, mas tudo mesmo, é feito à mão. E o resultado é que uma cuscuzeira, por exemplo, passa a ser uma peça totalmente original, única. Porque embora o modelo seja o mesmo, há pequenas variações entre uma e outra.

Loiceiras de Tacaratu em frente ao rústico forno de barro, onde queimam as peças de argila totalmente feitas à mão (AA)Fui ver a exposição de Ana e recomendo. Está belíssima. Passei mais de uma hora só no mezanino do Pavilhão do Centro de Convenções a admirar a atávica arte de confecção dessas peças que, no caso dela, terminaram por influenciar na sua formação. “ Foi na cidade de Tacaratu onde nasci, em 1966, e morei até os 14 anos, que as imagens do meu povo do Sertão me despertaram para o processo de construção e consciência da minha identidade étnica, política e cultural. Nesse universo particular de contemplação e admiração se destacavam as mulheres loiceiras e a sua bela arte utilitária, de tradição indígena Pankararu, em forma de potes, panelas, cuscuzeiros, alguidares e tachos de variados tamanhos. Eis aqui a origem da nossa cozinha ancestral: as loiças de barro”, diz a fotógrafa, que no momento reside em Brasília. Mas que estará no local da exposição no sábado (7/7), para falar sobre o assunto a partir das 16h, no Espaço Janete Costa (aquele que fica em frente às catracas de acesso à Alameda dos Mestres.

Os trabalhos das loiceiras de Tacaratu infelizmente não são encontrados nos estandes da Fenearte, só na exposição (LL)

“Com o passar do tempo, morando nos grandes centros urbanos, mas voltando todos os anos para minha origem, meu encantamento imagético pelas inspiradoras loiceiras cresceu, transcendeu, se materializou em fotografias e me revelou fotógrafa. A documentação visual ­ se tornou depois o fotolivro “As Loiceiras de Tacaratu – ­ A arte milenar das mulheres do meu Sertão”. E são justamente as fotos do livro que estão na exposição na Fenearte.  O livro foi publicado em 2018 ­ e é fruto de uma pesquisa etnofotográfica concluída em 2017. Mas que ela havia  iniciado em 1987. Na verdade, as fotos iniciais foram para o trabalho de conclusão de curso (TCC) na disciplina de fotojornalismo, da Universidade Católica de Pernambuco. “Também foram marcantes na minha profissão, por terem sido as primeiras fotografias de minha autoria publicadas em um jornal da época, o Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco”, recorda.

Curiosamente, os produtos das loiceiras de Tacaratu não são encontrados em nenhum estande da Fenearte. Ou seja, não estão à venda, o que é uma pena, pois são belíssimas como vocês podem ver na foto acima. E constituem verdadeiras relíquias neste século 21,marcado pelo avanço da tecnologia. Até mesmo os fornos onde os potes, cumbucas, jarras são queimados, são rudimentares ( ainda de barro), ficando ao ar livre. “Por esse motivo, tradicionalmente elas produzem cumbucas, panelas, cuscuzeiras, alguidares entre setembro e março, quando quase não chove na região”, informa  Roberta Jansen, Diretora de Cultura de Tacaratu, município localizado a 450 quilômetros do Recife. “No inverno, a madeira fica molhada, mais difícil de queimar no forno”.  Tem mais, até mesmo os elementos decorativos das peças são feitos com produto totalmente natural, no caso a própria argila, como é o caso do barro branco. Os instrumentos de trabalho vão da pedra e do sabugo de milho a pedaços de cabaça (“Lagenaria sinceraria”). No momento, apenas uma residência na comunidade, conta com forno interno. “Uma jovem pankararu instalou um  quarto de sua própria casa” de pau a pique, conta a Secretária.

Roberta  informa que a produção é vendida em feiras da cidade ou municípios vizinhos, e que são muito utilizados nos rituais religiosos ou festivos da comunidade pankararu, com a presença dos praiás. Entre os rituais estão Toré, a Dança da Cansação e a Festa do Menino do Rancho. “Na tradição religiosa deles, os praiás precisam de alimentos, e as oferendas são em cumbucas de barro”, diz.  Na exposição, Ana conta do convívio com as loiceiras que fizeram do barro não só uma tradição como um meio de vida, e como  mantêm a transmissão de conhecimento pela oralidade. Mas adverte que a modernidade do plástico (nos mais variados produtos) e da panela de alumínio “segue tomando o lugar dessa tradicional cerâmica utilitária. E afirma que por conta dessa demanda quase inexistente pelas loiças, nas feiras semanais, ­ “ao contrário dos anos 1980 ­ atualmente só restam poucas loiceiras em atividade”. São    quatro descendentes da mestra Tônia Loiceira do Altinho e cerca de dez outras das aldeias indígenas Pankararu, e Entre­Serras Pankararu, localizadas em Tacaratu, Jatobá e Petrolândia, municípios pernambucanos do sertão do submédio São Francisco. Já está no tempo de Pernambuco lutar, para transformar os fazeres e saberes das loiceiras dos três municípios em patrimônio cultural imaterial pelo Iphan.  A exemplo do que ocorreu com as paneleiras de Goiabeiras, no Espírito Santo, que também perpetuam a produção das panelas de barro indispensável para cozinhar a famosa moqueca capixaba. Confira na galeria de fotos, imagens dessa extraordinária comunidade.

Veja mais informações sobre a Fenearte nos links abaixo.

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Serviço
Exposição : As loiceiras de Tacaratu – A arte milenar das mulheres do meu Sertão, de Ana Araújo
Palestra: 16h do sábado (7/7), no Espaço Janete Costa
Onde:  na 
23ª Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte)
Onde: Centro de Convenções de Pernambuco, entre 5 e 16 de ju
Texto e fotos: Ana Araújo (fotos das loiceiras) e Letícia Lins / #OxeRecife (foto da expô na Fenearte)

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One comment

  1. Obrigado Letícia pela bela matéria sobre minha terra querida!! Belíssimo o trabalho dessas artesãs, mostrando que Tacaratu não é só rede e manta, tem essa riquíssima tradição!! E parabéns para Ana Araújo por divulgar esse trabalho único e maravilhoso! O sertanejo nunca perde suas raízes!! E quem puder vá conhecer essa região que é de uma beleza ímpar!!

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