Pensem em uma pessoa feliz. Aliás, uma lição de vida, principalmente para aqueles que não fazem outra coisa a não ser se queixar do destino, do trabalho, do vizinho, dos filhos, do pai, da mãe. Maria do Carmo da Silva Oliveira, 37, não teve a vida fácil não. Faltou tudo na infância. Ao ponto de, aos nove anos, ter começado a trabalhar como empregada doméstica, para ajudar no sustento da família. Sinha, como é mais conhecida, deu a volta por cima aprendendo a reaproveitar o que acha no lixo. Isso mesmo, no lixo! Sinha é nossa personagem de hoje, pela contribuição que dá à natureza, reduzindo a quantidade de resíduos que acha nas ruas. Um exemplo para lembrar nessa semana, em que se comemorou o Dia Mundial do Meio Ambiente.
“Quando criança, nós éramos muito pobres. Tão pobres, que nossa casa era de plástico, um barraco, na verdade”, conta Sinha, que entre nove e 14, trabalhou como babá na casa de uma mesma família, no município de Carpina, cidade localizada a 56 quilômetros do Recife. Na capital, a mãe criava nove filhos, na localidade de Serra Pelada, em Apipucos, onde Sinha mora até hoje. Tentou estudar, mas o trabalho atrapalhava e só seguiu até a quinta série. Mas em Serra Pelada, ela aprendeu a construir sua felicidade. Já adulta, começou a participar do Grupo de Ajuda às Crianças, formado na igreja evangélica que Sinha frequentava. Decidiu apelar para o lixo, transformando em algo útil o que encontrava. Com isso, começou a arranjar alguns trocados para financiar diversões junto ao grupo de meninos e meninas, em sua grande maioria tão carentes quanto ela.
“Não tínhamos trabalho, e precisávamos ter dinheiro, então decidimos catar papel, latas, garrafas, para sobrevivermos”, conta. Mas não foi só isso. No lixo, Sinha achou um novo sentido para a vida. “Minha mente brilhava, quando eu via um vidro, uma lata, uma garrafa”, diz. “Levava para casa, ajeitava para o uso doméstico, para o que eu precisava, não para vender”, relata bem humorada. Não demorou muito, e a vizinhança começou a procurar as peças produzidas por Sinha, hoje a artesã mais famosa de Serra Pelada. Sinha se dá por feliz com a família e com tudo que construiu para sua casa e para os seus. E a partir do que encontrava na rua. Chama os amigos para admirar o sol poente. Quando passar a pandemia, irei com Sinha ver o seu pôr do sol em Serra Pelada, que é “lindo daqui de cima”, segundo a artesã.
“Tudo faço sozinha, mas quando acho um armário grande, um móvel que precise parafusar, conto com a ajuda marido, Eliomar.”Ele colabora quando preciso assentar vidro, espelho, consertar um guarda-roupa”, diz. “Você não imagina a quantidade de coisas boas que as pessoas atiram no lixo”, assegura. Sinha hoje vive das peças que faz. Mas quando alguém da vizinhança se admira de sua criatividade e não tem como comprar, ela até doa o que produz. A história de Sinha virou um vídeo, produzido pelo grupo Luíla e Pretinha Cineclube, que realiza trabalhos sociais no bairro de Apipucos, Zona Norte da capital. Para o #OxeRecife, Sinha resumiu sua sabedoria: “Sou muito feliz. Não vou morrer agora, mas se partisse hoje, iria satisfeita com o que vivi”. Brava Sinha!
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto e vídeo: Luila e Pretinha Cineclube