Até parece… O Recife acaba de receber o primeiro certificado de Cidade Árvore do Mundo (Tree Cities of the World) 2022. O título é fornecido pela Fundação do Dia da Árvore (Arbor Day Foundation) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU), coordenadores do programa. “O certificado coloca a capital pernambucana entre as cidades de destaque mundial pelo plantio e cuidado com as árvores”, comemora a Prefeitura. Vocês acreditam? Provavelmente o título foi dado com informações oficiais enviadas, e não com base na realidade, pois o Recife da “emergência climática” é, seguramente, a capital nacional do arboricídio. É só andar pelas ruas para que se chegue a essa constatação. Concordam?
Por acaso vocês conhecem alguma outra capital brasileira que ostente tantas árvores degoladas em calçadas, parques, jardins públicos? Pelos cálculos do #OxeRecife, caso as estatísticas que vinham sendo fornecidas em 2013, tenham mantido a mesma tendência, nada menos de 25.000 vidas verdes foram ceifadas ao longo de dez anos. É que entre 2013 e 2015, 5000 árvores foram vítimas da motosserra insana e de arboricídio. Ou seja, 2.500 ao ano. Porém a partir de 2016, esse número virou uma caixa preta. Ninguém sabe, ninguém viu. Transformou-se em segredo de Estado. Como jornalista, cidadã e fiscal voluntária da natureza, já andei cobrando essa informação a órgãos competentes e inclusive em seminários, mesas redondas, audiências públicas. A resposta é sempre a mesma: desconversa e dados evasivos.
Assim, fica difícil fazer as contas, saber quantas foram erradicadas, quantas foram plantadas, quantas sobreviveram. Pois dizer, simplesmente, que tantas foram plantadas e somar ao inventário de 250 mil pré existentes (na conta, nunca se abate as que morreram) é conversa para boi dormir. E o #OxeRecife vem fazendo esse alerta há tempo. Só aqui no inventário que operamos, via campanha de caráter permanente #paremdederrubarárvores, as postagens sobre degolas e erradicações chegam a 387. Somados os registros, já são quase mil árvores guilhotinadas ou assassinadas. Isso, só aqui no Blog. Imaginem, então, o número real. O nosso levantamento é feito de forma aleatória, por onde costumamos passar, durante passeios a pé ou mesmo dirgindo. Alguém sabe dizer quantas sofreram reposição? Pelas nossas estimativas, a grosso modo, com base na observação visual, nem 20 por cento. Pois sempre passamos pelos mesmos lugares de onde foram arrancadas. E repor que é bom… nada!
Segundo a PCR, a premiação é “um reconhecimento não apenas pela quantidade de árvores, mas também pelo compromisso do Recife com o manejo urbano eficaz, que está ajudando a garantir um futuro melhor para os seus moradores”. Que compromisso? Que manejo eficaz? As tentativas de plantio com árvores com mais de três metros de altura e alguns cuidados técnicos são recentes. Aliás, recentíssimas. Datam de 2022. Antes, eram mudinhas de um palmo de altura, normalmente pisoteadas e que morriam antes de vingar, até mesmo por falta de água. Justiça seja feita. Enquanto a gestão passada, o então Prefeito ficou conhecido como “Geraldo Mãos de Tesoura”, por conta dos arboricídios e o total desprezo à natureza, o atual, pelo menos, inaugurou a nova metodologia para garantir maiores índices de sobrevivência. Na administração anterior, os percentuais de perdas de mudas plantadas chegavam a até 70 por cento. “Desde o ano passado, o plantio na capital pernambucana atende ao novo padrão de arborização, que apresenta diâmetro à Altura do Peito (DAP) de pelo menos 5 cm. Isso garante que sejam árvores bem robustas e que tenham capacidade de enfrentar as condições adversas do ambiente urbano”. Porém acreditem, até o momento apenas 300 árvores foram plantadas seguindo esses critérios. É quase nada, para uma cidade como o Recife. Porém “mais mil árvores estão sendo preparadas para serem plantadas nas principais avenidas da cidade”. Ainda bem!
No total, 168 cidades de 21 países foram reconhecidas e outras 50 cidades se juntaram à rede pela primeira vez. Para receber o selo, Recife “teve que provar o seu engajamento com as árvores e a silvicultura e atender a uma série de requisitos relacionados à gestão da arborização urbana, informando se possui instrumentos legais, planos e diretrizes para proteção e manejo das árvores, do sistema de parques e áreas verdes, vegetação nativa remanescente e áreas de preservação”. Ou seja, muita informação no papel. De acordo com os números da Prefeitura, o Recife “possui uma importante e expressiva cobertura vegetal”. E explica: “Segundo dados do Plano de Ordenamento Territorial (2018), a cidade possui 91,9 km² de área verde, o que representa 42,1% do seu território, conferindo um índice de 60,11 m² de área verde por habitante, índice cinco vezes maior do que a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que preconiza um mínimo de 12m² de área verde por habitante”. Então? Entre 2018 e 2023, quantas árvores foram sacrificadas? E quantas replantadas? De acordo com PCR, a cidade conta com uma “média móvel” de 259.565 árvores, sendo 159.304 indivíduos localizados em logradouros públicos e 100.261 indivíduos dentro dos lotes.
“Além delas, o Recife possui ainda uma vasta cobertura vegetal formada principalmente pelas Unidades de Conservação da Natureza (UCNs), que ocupam aproximadamente 38% do território. As vantagens da arborização são múltiplas e variadas: além de contribuir para o equilíbrio do meio ambiente, aumenta a permeabilização do solo e proporciona melhorias na qualidade de vida dos munícipes”. Uma dica: Quem quiser solicitar à Prefeitura plantio na área da capital pode fazê-lo através do fone 156, da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb). Os plantios acontecem através das equipes da sementeira mantida pela Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb). “Em 2021, apenas a Emlurb plantou 1.516 árvores na capital pernambucana em 30 bairros de toda a cidade”, diz a nota da PCR, porém sem acrescentar números de 2022 e 2023.
Ou seja, se a Emlurb planta e degola é, como dizia o poeta Augusto dos Anjos, a “mão que afaga é a mesma que apedreja”. A Emlurb, que tantas degolas realiza, é também o órgão que repõe. De minha parte, posso até confiar nos números oficiais. Desde que os cálculos sejam realizados com seriedade e transparência, com registro correto de perdas e reposições, de índices de sobrevivência, etc. Do jeito que nos são apresentados, eles têm que ser questionados. Sem isso, premiações internacionais podem até cair no descrédito da população, quando esta percebe as devastações não só com os olhos mas com os efeitos das ilhas de calor na própria pele.
Cadê o conforto térmico? Quantas são as ruas do Recife sem uma só árvore, conforme mostram registros feitos aqui, também, no #OxeRecife através da campanha #RecifeEmergênciaClimática?
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Acervo #OxeRecife