Depois das confusões envolvendo o futuro lojão do Atacado dos Presentes e o projeto do Burle Marx Open Mall, o histórico, tradicional e bucólico Poço da Panela está mais uma vez em pé de guerra. Após lutar contra implantação de empreendimentos comerciais não compatíveis com a estrutura do bairro, o logradouro começa a sofrer o mesmo tipo de agressão, porém com construções domésticas. O problema mais recente é provocado pela edificação de imóvel residencial, no número 292 da Estrada Real do Poço, que é uma das mais antigas e tradicionais da localidade, e na qual sobrevivem casarões seculares. A comunidade reclama que a obra “brutal” (foto acima) está fora dos padrões da Estrada, que é inserida em área de preservação rigorosa, em Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural. . Além disso, a obra está em desacordo com projeto que foi apresentado na Prefeitura do Recife.
Organizados – em associações, coletivos e redes sociais – os moradores do Poço da Panela denunciaram a construção à Prefeitura, ao Ministério Público de Pernambuco, ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (CREA), e ainda ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). Afirmam que o imóvel em edificação é 3,5 vezes maior do que que foi aprovado na Prefeitura (projeto número 8088228021). A obra já foi embargada três vezes pela própria PCR. Porém, os moradores do Poço denunciam que quando os fiscais se afastam, os proprietários retiram a placa de embargo e recomeçam os trabalhos.
Na sexta-feira, ao checar as acusações, o #OxeRecife constatou operários trabalhando normalmente no canteiro de obras,contrariando determinações dos órgãos públicos. Pelo projeto original, o imóvel em edificação deveria ter 192,90 metros quadrados, porém ficará com 691,15 metros quadrados quando pronto. Com 192,90 metros quadrados, a área construída inicialmente prevista seria uma edificação térrea “com características arquitetônicas em consonância com a anterior”, no caso uma casa irregularmente demolida em 2012. De acordo com documento encaminhando ao MPPE, a nova edificação deveria ter volumetria semelhante ao imóvel destruído, escala adequada às edificações vizinhas, telhas de barro em diferentes planos de telhado e ainda esquadrias de madeira, seguindo tendência das casas seculares ali sobreviventes, como vocês podem observar no padrão existente nos imóveis fotografados para a reportagem.
Conforme denúncia enviada ao MPPE, “cabe destacar o enorme impacto visual dessa área construtiva e da volumetria atualmente em execução no conjunto arquitetônico e paisagístico do Poço da Panela, área reconhecida como acolhedora e aprazível”. O documento acusa que a nova obra “não dialoga com o conjunto no entorno imediato”. A comunidade teme que a construção abra um precedente perigoso para o Poço, por representar “o início da descaracterização de um bairro que é usufruído por toda a população, que reconhece suas qualidades ambientais, culturais e históricas”.
Portanto, a obra estaria em total “desacordo com a legislação vigente”. E o péssimo exemplo já começa no muro alto, repetindo um modelo muito criticado e repudiado por urbanistas no Recife, onde os prédios parecem bunkers e fortalezas, com muros altos que só contribuem para segregar o resto da população e transformar as ruas da cidade naquilo que o urbanista e arquiteto Francisco Cunha chama de “corredores penitenciários”. Imaginem só se essa moda nefasta já em prática em prédios na Madalena, Espinheiro, Casa Forte e outras localidades pega no Poço da Panela. Vai acabar com a paisagem tão linda e ainda preservada daquele refúgio verde da Zona Norte.
O Poço da Panela é um dos bairros do Recife, com as mais atuantes organizações de moradores. Se não fosse o esforço coletivo, o bairro já estaria inteiramente dominado por espigões, grandes casas comerciais e com o seu resistente verde em perigo. É no bairro que tem um exemplo de mobilização coletiva, que transformou uma área degradada e abandonada pelo poder público em local verde de contemplação, lazer, com horta e pomar coletivos: o Jardim Secreto.
O esforço, agora, se ampliou para a criação de uma nova área, na extensão do primeiro, o Jardim da Travessia, cujo terreno (à margem do Rio Capibaribe) vinha sendo irregularmente ocupado pela especulação imobiliária . Com a população atenta, os coletivos do bairro exigem compensação ambiental para a faixa de mata ciliar já destruída, e exigem da construtora responsável pela devastação que transforme a área devastada em um jardim público (nos moldes do Jardim Secreto). O documento encaminhando ao Ministério Público é assinado pelo Coletivo @AmoPoçoForte. O assunto será discutido em audiência pública do MPPE, no dia 16 de fevereiro. Ainda bem…
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Coletivo @AmoPoçoForte e Letícia Lins / #OxeRecife
Parabéns Letícia, pela matéria e sua luta incessante pela preservação e manutenção do patrimônio e o bem coletivo.