Filho de pai tecelão e mãe bordadeira, o pernambucano Eduardo Ferreira cresceu convivendo com agulhas, linhas e vários tipos de tecidos. Não tardou muito, e logo descobriria a sua vocação de estilista e figurinista, ao mesmo tempo que percebia a necessidade de criar uma moda pernambucana e brasileira, já que até então o nosso mundo fashion era ditado pelas influências que vinham das passarelas europeias. Ao mesmo tempo, ficava de olho na paisagem e na cultura do Recife, cidade formada por rios e manguezais. E onde, como lembra Josué de Castro (1908 – 1973), o homem vivia (e ainda vive) em simbiose com o caranguejo.
Um dia, ainda quase menino, começou a ler Geografia da Fome, o célebre livro em que aquele autor mostra a dura realidade do Nordeste, e o convívio entre o humano e o crustáceo, crustáceo este que há três décadas se transformaria em símbolo do Manguebeat, movimento musical que eclodiu nos anos 90, influenciando a estética, as artes plásticas e a moda. E que, ao completar três décadas, ganha homenagem da presente edição da Fenearte. A leitura do livro (que se tornou um clássico de repercussão internacional) provocou um grande impacto no então adolescente. “Geografia da Fome mexeu tanto comigo, que decidi participar de um concurso, que dava direito ao vencedor de ver sua roupa confeccionada”, diz Eduardo Ferreira. O concurso era o Smirnoff International Fashion Awards, para o qual ele enviou croquis, em que o personagem usava um blazer de alfaiataria.
O casaco entrava em processo de desconstrução em que as extremidades lembravam as patas de um caranguejo. Na cabeça, ao invés de chapéu, um samburá, aquele cestinho em palha, ainda muito usado por pescadores artesanais, para condicionar a pesca: peixes, siris, caranguejos. Tinha, então, uns 17 anos e não ganhou o concurso. Mas a ideia de criar uma coleção inspirada no homem caranguejo de Josué de Castro não lhe saiu da cabeça.
“Nos anos 1990 surge o Movimento Mangue, com essa ideia de resgatar o homem caranguejo, através da metáfora do caranguejo com cérebro, com as antenas fincadas na lama do mangue, mas de olho no mundo”, recorda. Mas ao assistir um show de Chico Science (1966- 1977), em 1993, na Rua do Lima, em Santo Amaro, ele sofreu um segundo impacto, tão grande quanto o vivenciado na leitura de Josué de Castro. “Tudo me chamou a atenção, a qualidade do trabalho, a postura cênica, as letras das composições, as misturas de sons, a inspiração em raízes como o maracatu de baque solto e o maracatu de baque virado”, lembra. Entrou em êxtase. O Manguebeat era o caminho que procurava para reforçar o que poderíamos chamar de uma “personalidade” para o seu trabalho. “Eu vivia obcecado em busca de uma identidade estética para o meu trabalho. Precisava de um embasamento cultural e identitário. Até então, a moda brasileira era muito colonizada e isso me incomodava”, diz Eduardo.
“Quando vi Chico Science, descobri que encontrara, enfim, a identidade que buscava e que era aquilo que eu pretendia fazer na minha moda”, lembra. Foi aí que decidiu lançar uma coleção inspirada no Movimento Mangue.
“Além de ver minha geração representada por Chico, ele trazia a possibilidade de resgate das estéticas tradicionais com mix de sons das nossas manifestações populares e trazendo para o palco o colorido, por exemplo, dos nossos caboclos de lança”. Surgia então, a famosa Coleção Manguefashion. Hoje Eduardo Ferreira é considerado pelos próprios curadores da Fenearte como “estilista e figurinista criador da estética mangue”. Seu trabalho, inspirado no Manguebeat, levou a moda a vivenciar uma simbiose com o movimento. A mesma do homem com o caranguejo. Hoje ele é considerado pelos formadores de opinião, como o criador da estética mangue na moda. “A moda se integrou ao Manguebeat e eu sinto orgulho disso, mas não tinha a pretensão de virar o estilista oficial do movimento”, diz. Desde então, Eduardo Ferreira lançou cerca de 40 coleções. Todas com o DNA de nossa cultura.
Conheci Eduardo Ferreira na efervescência do Manguebeat. O texto acima, de minha autoria, integra um dos painéis da exposição comemorativa do Mercado Pop e do Manguefashion. A mostra, está no Mezanino do Centro de Convenções de Pernambuco, onde ocorre a Fenearte.
Hoje, a partir das 16h, Eduardo Ferreira participa de “Roda de Conversa Movimento Mangue Moda”. Dividem a Mesa: Evêncio Vasconcelos (Mercado Pop), Márcia Lima e Clesinho Santos (Mercado Fértil), Osmar Frasão (Fag) e Beto Normal (estilista e figurinista). O Mercado Pop chegou a ser a principal vitrine da moda mangue, e os nomes acima, que estarão na Roda de Conversa nele marcaram presença com suas criações (roupas, chapéus, bolsas, acessórios). Evêncio foi o produtor da iniciativa. Fabiana Pirro e Cannibal, que aparecem nas fotos estiveram em diversos desfiles usando looks by Eduardo Ferreira. Também participaram de vários editoriais de moda, inclusive alguns produzidos por mim para imprensa do sul, onde eu trabalhava na época.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Renato Filho (Acervo Eduardo Ferreira) e Divulgação