Mudanças climáticas provocam mortes de botos na Amazônia, e de morsas e ursos brancos no Ártico

Compartilhe nas redes sociais…

Como se não bastasse o sofrimento imposto às populações afetadas pela seca no Norte do país, o número de botos mortos, só nos lagos Tefé e Coari, já chega a 178. Os dois  lagos são separados por distância inferior a 200 quilômetros, no interior do Amazonas. E ambos desembocam no Solimões, um dos rios que mais têm sofrido com a estiagem que se alastra pela região. “É a primeira vez no mundo que o calor, a crise climática, mata mamíferos aquáticos dessa maneira. O que está acontecendo na Amazônia é equivalente ao que está ocorrendo no Ártico com morsas e ursos polares”, alerta a oceanógrafa Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM).

Se no Ártico os animais estão morrendo por conta do derretimento de geleiras, na Amazônia uma das consequências mais sérias das mudanças climáticas para a fauna aquática é o aumento da temperatura dos corpos hídricos, que em 2023 foi agravado pelo Oceano Atlântico Tropical Norte muito aquecido e um fenômeno de El Niño, gerando uma estiagem sem precedentes no bioma. A temperatura tem atingido os níveis mais altos da história da Amazônia. Dos 62 municípios do Amazonas, 60 estão em estado de emergência, segundo a Defesa Civil. Mais de 600 mil pessoas estão prejudicadas. “Secas e cheias extremas vão acontecer com cada vez mais frequência e intensidade. E a tendência é que a situação na região amazônica piore, pois a expectativa é de que no ano que vem o El Niño seja ainda mais forte”, salienta Miriam. E adverte:

“Botos são perfeitamente adaptáveis ao movimento das águas na cheia, eles se deslocam com uma flexibilidade tremenda na floresta alagada para se alimentar. Mas para a seca eles não estão adaptados. Reverter esse cenário não depende de nós, pesquisadores, depende de toda a humanidade se mobilizar”.

A elevação da temperatura parece mesmo ser uma das causas das mortes  dos botos. Em 28 de setembro, dia em que a temperatura da água chegou a quase 40°C na Enseada do Papucu, 70 mortes foram documentadas. Segundo os pesquisadores, a qualidade do ar estava péssima devido às queimadas intensas e a umidade estava em 50%, quando neste período do ano costuma variar entre 80% e 90%, segundo os pesquisadores. Cerca de 10% da população de botos do Lago Tefé foi perdida em apenas uma semana.  Entre as carcaças encontradas no local, 84,5% são cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e 15,5% são tucuxis (Sotalia fluviatilis), em geral os mais vulneráveis. Ayan Fleischmann, líder do Grupo de Pesquisa em Geociências e Dinâmicas Ambientais na Amazônia do IDSM, acrescenta que a hipótese mais provável é que, em decorrência do estresse térmico, os animais pararam de se alimentar e, por isso, perderam a capacidade de regular a temperatura corporal.

Pesquisadores fazem necropsia em boto tucuxi: mortes estão associadas às altas temperaturas da água

A partir do drama que se iniciou em Tefé, o IDSM criou uma rede de parceiros para monitorar outros lagos na Amazônia e já conta com pesquisadores em municípios como Manaus e Iranduba, no Amazonas, e Santarém, no Pará.  Ao todo, mais de 40 instituições, inclusive internacionais, estão estudando os botos e tentando salvar os que restam. Entre elas, a WWF-Brasil, Greenpeace, Ibama, Exército Brasileiro, Fundação Mamíferos Aquáticos, Fiocruz, INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia),  Corpo de Bombeiros de Tefé, Conselho Regional de Medicina Veterinária do Amazonas, European Association for Aquatic Mammals, Friends of Nuremberg Zoo Association,  Fundación Mundo Marino, GRAD – Grupo de Resgate de Animais em Desastres, Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), International Fund for Animal Welfare, IPAAM – Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, Lapcom-USP, Loro Parque Fundación, Marinha do Brasil, National Marine Mammal Foundation, Nuremberg Zoo, Oceanogràfic València, Planète Sauvage, Polícia Militar do Amazonas, Prefeitura de Tefé, R3 Animal, Rancho Texas, Sea Shepherd Brasil, Sea Shepherd France, SeaWorld & Busch Gardens Conservation Fund, SEMMAC – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Conservação de Tefé, Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, WWF-Alemanha, WWF-Brasil, YAQU PACHA e Zoomarine Portugal.

Leia  também
Mortes de botos: Três operações tentam mitigar os impactos das mudanças climáticas
Golfinho atrai turistas a Noronha
Parem de derrubar árvores. Caminhão apreendido com madeira clandestina da Amazônia
Madeira clandestina da Amazônia
Parem de derrubar árvores na Amazônia. Madeira clandestina
Dia da Amazônia: o boto e pequenos escritores na maior floresta tropical do mundo
Dia da Amazônia: Venda de sandálias reverte faturamento para organização indígena 
Floresta ainda queima e Lula diz que Amazônia precisa ser vista como canteiro de possibilidades
Ministério de Lula tem duas mulheres com muito prestígio internacional
Você sabia que a Amazônia rende muito mais com a floresta em pé?
Açaí, o ouro roxo da Amazônia, é a prova de que a floresta em pé é mais lucrativa que deitada
Amazônia: Projeto “Florestas de Valor” permite lucros a nativos com mata em pé
Conheça palmeiras nativas e exóticas
Ucuubeira preservada rende três mais do que vendida a madeireiras
Tucumã, a fênix da Amazônia
Verdade que a piranga é afrodisíaca?
O tapete vermelho do jambo-do-pará
Dia da Árvore: a “vovó” do Tapajós
Dia da Amazônia: Comemorar o quê?
No Dia da Amazônia, o Brasil tem o que comemorar?
Dia da Amazônia: Agrofloresta ou extração ilegal de madeira?
Por um milhão de árvores na Amazônia
Juçaí, o açaí da Mata Atlântica
Mães do mangue: Cozinha da maré
A festa dos ipês no Recife e no Pará
Amazônia teve 487 mil hectares de bioma queimados nos dois primeiros meses de 2023
Um dia antes da Conferência da Amazônia, Diálogos Amazônicos já mostram resultados
Amazônia pode virar um cerrado
Taxa de desmatamento tem aumento de 60 por cento no governo Bolsonaro
Tartarugas voltam aos rios no Pará
História de Pureza (contra trabalho escravo) vira filme com Dira Paes
Tragédia na Amazônia: Bruno e Don presentes
Velório: Indígenas prestam comovente homenagem a Bruno e Don
Dia da Amazônia: Agrofloresta ou entração ilegal de madeira?
Dia Mundial de Áreas úmidas passa em branco
Greenpeace e MapBiomas denunciam estragos no pulmão do mundo
O Brasil pegando fogo e Presidente bota a culpa no índio e no caboclo
Baderna inaugura delivery de mudas para recompor floresta amazônica
Queimadas provocam prejuízo de R$ 1,1 bilhão no Brasil, entre 2016 e 2021
 

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Jacqueline Lisboa (WWF-Brasil), WWF-Suécia (Divulgação)

Continue lendo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.