Para quem sabe ler, como diz a minha mãe, dona Adrina, um pingo é uma letra. Para quem não sabe, esse mesmo pingo não passa de um borrão na página. Ler tem a ver com linhas e entrelinhas; é encontrar sentido no que está escrito e no que deixou de ser dito. Só quem abre a janela do mundo é que pode enxergar o que está além da casinha. Lendo, restaura-se a vida através da linguagem.
Na minha modesta opinião, são as mulheres que estão lendo mais. Vou dizer outra: neste mundo cada vez mais globalizado e interligado, quem não desenvolveu o hábito da leitura, sinto muito, já perdeu o trem bala da história. “Hasta la vista, baby”, como diria o “filósofo existencialista” Arnold Schwarzenegger, na sua obra-prima O Exterminador do Futuro.
Dizer que as mulheres parecem estar gostando mais de ler do que os homens é uma constatação minha, com nenhum fundamento científico para a afirmação. É uma coisa de observação. Acho realmente que as mulheres estão mais afinadas com a leitura de livros, embora eu saiba que é também um (pre)conceito assegurar de forma tão categórica.
Até por que há homens que também gostam de ler e sabem da importância do hábito. Mas, eu insisto, é minha avaliação. As mulheres estão deixando os homens na poeira do tempo. Você conhece grupos de leituras de homens? Eu não. Mas, formados só por mulheres, conheço numerosos. Cito o exemplo do Florliterárias, do Recife, que reúne centenas. Elas se encontram com frequência para debater livros e relacionar a ficção com a vida. Assim, tiram exemplos de resistência e de recomeços.
As mulheres também estão cada vez mais presentes entre os premiados da literatura, ultimamente. É só prestar atenção no resultado dos concursos regionais e nacionais. Estão disparadas. No Prêmio Nobel é a mesma coisa. Nos últimos dez anos, cinco ganharam a premiação. Antes, parecia o Clube do Bolinha. A jornalista e escritora da Bielorrússia, Svetlana Aleksievitch foi a ganhadora em 2015; a polonesa Olga Nawola Tokarczuk, em 2018; a poetisa norte-americana Louise Glück, em 2020; a escritora francesa Annie Ernaux, em 2022; e neste ano a academia sueca premiou a sul-coreana Han Kang.
De outubro para cá estive em quatro escolas públicas para falar de processo criativo na literatura. Fui às escolas de referência Natalícia Figueirôa e na Severino Farias, ambas em Surubim, no Agreste de Pernambuco; fui à Escola Municipal Oswaldo Lima Filho, do Recife; e ao Instituto Federal do Cabo de Santo Agostinho. Saí de todas essas com a sensação de que entre os poucos alunos que têm o hábito da leitura, as garotas são quase a totalidade.
Eram turma compostas por adolescentes, de 15 a 18 anos. Elas leem, escrevem alguma coisa e têm mais interesse por livros e literatura do que os meninos. São mais curiosas nas conversas sobre processo criativo. Claro que há um ou outro que se interessa pelo papo, mas na hora que se pergunta: quem já leu um livro este ano? Os meninos são gatos pingados. Gostam mesmo é de lacração; de mostrar que são descolados; mas não sabem pensar de forma lógica e organizada.
Uma coisa é certa, aquelas meninas terão mais vantagens nesse mundo tão competitivo. Afinal, gostar de ler, hoje, deixa de ser apenas um hábito saudável para, no futuro, ser razão de sobrevivência.
Não sei se pelo histórico de desafios que acompanha a vida da mulher, pelas lutas de empoderamento, ou por inteligência mesmo, elas aprenderam a caminhar dando um passo a cada dia. Gostar de ler é um passo largo. Assim, vão avançando, resistindo e se restaurando a vida.
* Cícero Belmar é jornalista, escritor e imortal da Academia Pernambucana de Letras. Entre suas obras estão “Umbilina e sua grande rival (que virou filme), “Pola” (que daria um filme), “Rosselini amou a pensão de Dona Bombom” (que daria outro filme).
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Edição: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação
Perfeita constatação, observação, de Cícero Belmar. Sou forçado a concordar com ele. As mulheres avançam em todos os sentidos e na leitura também, o que é fundamental pra avançar. Os concursos públicos já se percebe isso. Nós marmanjos, que se cuidem.