Teatro do Parque exibe “Consuella”, a mais ousada, festejada e internacional travesti do Recife

Consuella estava para o Recife como Rogéria para o Rio de Janeiro. Se Rogéria se dizia “a travesti da família brasileira”, Consuella era a queridinha dos jornais da capital pernambucana, pois mesmo com os preconceitos da época, ela tinha visibilidade tão grande quanto as dondocas que apareciam nas colunas sociais. Ou seja, disputava os mesmos espaços. Isso entre os anos 1980 e 1990, quando ficou ainda mais famosa, ao participar de concursos de fantasias  em festas como o Bal Masquê e o Baile Municipal, que reuniam a nata da sociedade local.

Na verdade, Consuella foi uma desbravadora. “Sim, de certa forma foi, pois naquela época não havia a consciência política que temos hoje. Podemos dizer que era destemida, ousada e ainda por cima tinha dinheiro”, conta o cineasta Alexandre Figueirôa, que na próxima quarta-feira (23/8), está lançando o curta-metragem “Consuella”. A estreia acontece às 19h no histórico Teatro do Parque, localizado no Bairro da Boa Vista, no Centro do Recife. A entrada é gratuita. Figueirôa é mestre em resgatar personagens marginalizados ou esquecidos, o que fez com maestria em antológicas produções anteriores como “Eternamente Elza” (2013), “Kibe Lanches” (2017), “Piu Piu (2019), “Recife, Marrocos” (2022).

Consuella era a travesti pernambucana mais badalada entre as décadas de 1980 e 1990 no Recife. E fez carreira lá fora

Os cinco filmes têm um ponto em comum: o de trazer aos dias de hoje, personagens que, bem antes das conquistas dos movimentos LGBTQIAPN+, assumiram uma atitude pioneira e libertária. Cada qual à sua maneira. Isso, diante da forte discriminação e opressão contra a então chamada comunidade  “gay”. Nas décadas de 80 e 90, Consuella foi a travesti mais famosa da capital pernambucana. Ainda jovem, aprendeu a arte da maquiagem com Múcio Catão (1923-1985), então o mais badalado maquiador que o Recife já teve e o predileto das artistas de TV e das damas da alta sociedade pernambucana. Após aprender o ofício, Consuella foi morar no Rio de Janeiro, onde trabalhou como maquiadora na televisão e no teatro. De lá, seguindo os mesmos passos de Rogéria, Jane Di Castro, Roberta Vermont, entre outras, foi para a França onde fez sua transição. E lá e se tornou vedete dos famosos cabarés parisienses Carrossel de Paris e Chez Madame Arthur. Por esse motivo, era chamada de Consuella de Paris. Ou melhor, Consuellá,  com a última sílaba tônica, no melhor estilo francês.

Todos os anos vinha ao Recife, quando participava de concursos de fantasias com caracterizações que exploravam sua sensualidade. E ganhava prêmios e as páginas dos jornais. Também costumava receber convidados na cobertura do apartamento que tinha no centro da cidade, no Bairro da Boa Vista. Lembro que alguns colegas me contavam que ela costumava aparecer de chambre e que, muitas vezes, chegava a exibir seus órgãos genitais masculinos para a “plateia”. Entre o círculo de amigos, os colunistas sociais  Fernando Machado e Mucíolo Ferreira. Mucíolo inclusive faz um depoimento no filme de Figueirôa. “Consuella circulava na sociedade, e os colunistas sociais como Alex (1027-2015), Orismar Rodrigues (1943-2022), João Alberto e Fátima Bahia gostavam muito dela”, conta o cineasta. “Ela tinha uma visibilidade que as outras não tinham e de alguma forma Consuella abriu espaço para elas”.

Ex modelo e estilista, Paulo Carvalho era do círculo de amizade de Consuella, e é um dos ouvidos no filme

“Conhecida como Consuella de Paris, ela foi a “mami” de outras jovens travestis pernambucanas e graças a sua fama e ousadia, ganhou popularidade, virou notícia nos jornais e não se dobrou à intolerância, contribuindo para atenuar o preconceito contra a comunidade LGBTQIAPN+”, informa a produção do filme. Com realização da Revista O Grito! e apoio do coletivo Surto & Deslumbramento e da Escola de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco, o documentário foi desenvolvido a partir de entrevistas com quem conviveu com a artista. “A partir de fotos e depoimentos de quem conviveu com ela, recuperamos um pouco da história dessa figura quase lendária das noites alegres do Recife”, ressalta Alexandre Figueirôa.

A história e a memória de Consuelo são contadas por meio dos relatos de amigos como Moacyr Freire, Paulo Carvalho, Márcia Vogue, Christiane Falcão, além do jornalista Mucíolo Ferreira. Além de Figueirôa nas funções de direção e roteiro, a equipe do filme é formada ainda por Jonatan Oliveira na direção de fotografia, João Maria na montagem e finalização, Chico Lacerda no som direto, Túlio Vasconcelos na direção de produção e André Antônio foi o responsável pela direção de arte do curta. A sessão conta com o apoio da Secretaria de Cultura da Prefeitura do Recife e da Coordenação do Teatro do Parque. Em comemoração aos 15 anos de atividade da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE), a sessão, que é gratuita, solicita que o público leve um quilo de alimento não-perecível para ser doado à ONG. A Amotrans, que também homenageou Consuelo, é a primeira instituição à dar voz às travestis e às pessoas trans no estado.

Muito bom que o Teatro do Parque volte a se movimentar, com sessões de cinema. A exibição de “Retratos Fantasmas“, de Kleber Mendonça, tirou do marasmo aquela decadente área do Recife. Com certeza, Consuella também atrairá bom público. Abaixo, confira o que diz o jornalista Mucíolo Ferreira, sobre Consuella. E após, links sobre cinema. Já no canal do #OxeRecife no YoutTube você confere o teaser do filme.

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Serviço
Estreia de Consuella, filme de Alexandre Figueirôa
Quando: Quarta-feira, 23 de agosto
Horário: 19h
Onde: Teatro do Parque, Rua do Hospício, Boa Vista
Quanto: Sessão gratuita

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação

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