Vida de Clarice Lispector ganha versão em HQ que mostra o Recife em que ela viveu até os 14 anos

Clarice Lispector (1920-1977) tem uma multidão de fãs. De pessoas que aprenderam a entender melhor o mundo depois que leram os seus livros. Que mudaram de comportamento, encontraram novos significados para a vida,  ou que descobriram novos sentidos para as suas existências. Mas há quem não saiba que ela passou a infância no Recife, de onde guardou memórias que a marcaram para sempre. Infelizmente, no entanto, essa vivência em nossa cidade não tem sido valorizada como deveria. Até porque o sobrado mais famoso onde morou com a família, na Praça Maciel Pinheiro, está quase em ruínas, o que significa um atentado contra a nossa cultura.  Quem quiser conhecer um pouco da passagem pelo Recife daquela que é considerada uma das maiores escritoras do século 20, tem agora uma chance de fazer isso, de forma lúdica e divertida. É que a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) está lançando o livro Pedra D´Água, uma novela gráfica em HQ sobre a autora de Perto do Coração Selvagem, A Paixão segundo G.H e A Hora da Estrela, para ficar em apenas três de suas obras mais conhecidas.

O livro em HQ será lançado a partir das 17h do sábado (27/5), no Hotel Central, na Boa Vista, bairro em que Clarice passou parte da infância, antes da família se radicar definitivamente no Rio de Janeiro. E procura responder como está a cidade onde a escritora viveu, cem anos depois de seu nascimento. A pergunta: “É possível encontrar algum vestígio de Clarice na cidade de sua infância?” Ao invés de fazer uma biografia em quadrinhos, os autores lançaram mão de uma ferramenta criativa para a novela gráfica: a personagem Esther, que dedica-se a pesquisar vida e obra da escritora, percorrendo o Recife, em busca dos seus rastros. Muito ilustrado com paisagens e cenas da cidade, textos da própria Clarice e recortes de jornais da época que mostram o que acontecia nos tempos de criança da escritora no Recife, o livro é assinado por outra Clarice (Hoffman) e ilustrado por Greg. E é dividido em quatro partes:  Busca, Mergulho, Faíscas e Explosão.  Esther se hospeda no histórico Hotel Central, no bairro da Boa Vista, de onde sai à procura de vestígios da vida da escritora com a qual se confunde como, aliás, ocorre com muitos dos seus leitores.  “Pensava mais em Clarice do que em sua própria vida”, assim era Esther que, de tão impregnada por Clarice, chega a se confundir com ela, quando expressa alguns dos seus pensamentos, provocando uma certa confusão na cabeça do leitor mais desavisado. Eu, inclusive. Mas  Hoffmann mostra que  foi mesmo essa a intenção: “Ela pensava que era Clarice e que Clarice era ela”, diverte-se Hoffmann em conversa com o #OxeRecife.

HQ sobre Clarice Lispector será lançada no Hotel Central, na Boa Vista, onde se hospeda a personagem Esthe

Mergulho talvez seja a parte mais metafórica do livro. Quando Esther (que também é Clarice) joga-se nas águas do Rio Capibaribe, desce às entranhas do mundo e mergulha em um buraco profundo, como profundos eram os mistérios da escritora, vêm à tona referências como pedra, água, ponte, galinha, ovo. Os dois últimos remetem não só à presença figurativa que nos vem à lembrança no conto O ovo e a galinha, como ao próprio sentido que a também autora de Laços de Família daria ao primeiro. “Tem gente que diz que para Clarice o ovo é vida, é criação, é mistério”, lembra Hoffmann. “Para mim, em se tratando de Clarice Lispector, é um enigma”. Em Faíscas, Clarice – que era do signo Sagitário – aparece como um centauro, inspirado na força que ela atribui a um equino. Na verdade, o Centauro é Esther e é Clarice Lispector. “Assim como Clarice fez em A Hora da Estrela, iniciamos a HQ com um narrador e quando a personagem se forma, ela passa a falar na primeira pessoa. Isso acontece quando Esther se transforma em Centauro”, explica Hoffmann. ” O cavalo é um animal recorrente nos livros dela, e em Perto do Coração Selvagem ela escreve que queria morrer e renascer como um cavalo”, diz. 

Por fim, Explosões, a parte mais biográfica do livro, que demonstra uma exaustiva pesquisa, e na qual constam textos (aspeados) de Clarice Lispector sobre sua vivência no Recife, recortes de jornais da época, locais onde ela morou (na Rua da Imperatriz, Praça Maciel Pinheiro e Avenida Conde da Boa Vista) e  dez endereços em torno dos quais girava a comunidade judaica, à qual ela pertencia. Desde a Associação Juventude Israelita, passando pela ainda existente Sinagoga Israelita da Conde da Boa Vista até  a Campina da Alegria, ponto de encontro da comunidade judaica, onde havia celebrações do Sucot (festa tradicional dos judeus). Também há registro de datas da chegada da família,   significado da chegada de Clarice à família (a crença que um bebê curaria a doença da mãe), profissão do pai no Recife, as vivências, o bonde, a água do mar. E até a sensação de vertigem na varanda do sobrado:

“Depois, minha lembrança é de – no andar ainda vazio de móveis – olhar pela varanda na Praça Maciel Pinheiro, em Recife, e ter medo de cair. Achei tudo alto demais. A  casa se acabou? Mas o nome da praça continua o mesmo, segundo me informaram. É capaz do hotel localizar-se no lugar onde era minha casa. Que acabou, acabou, acabou. Era pintada de cor-de-rosa. Uma cor acaba? se desvanece no ar, Meu Deus”

Com certeza, a Praça Maciel Pinheiro da infância de Clarice Lispector não é mais a mesma. Perdeu o brilho

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Serviço
Evento: Lançamento do livro Pedra d´água
Quando: Sábado, 27 de maio
Horário: 17h 
Onde: Hotel Central
Endereço: Av Manoel Borba, 209, Boa Vista
Entrada gratuita
Preço do título: R$ 70

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife

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