Cheio de história, Afogados enfrentou ocupação holandesa em 1633, e tinha até um forte, o Príncipe Guilherme. Em 1817, a povoação de Afogados é “desmembrada do termo e jurisdição da cidade de Olinda e passa a pertencer à vila do Recife”. Em 1783, já tinha paróquia, na Igreja de Nossa Senhora da Paz (foto atual acima). Em 1711, mascates tentam a posse da povoação. E em 1821, foi palco de lutas constitucionais, com ataque de artilharia e infantaria que terminou com saques praticados contra “inimigos e até amigos”. No século 19, a povoação vivia em plena efervescência e tinha periódicos como O Verdadeiro e o Liberal Afogadense. Já no começo do século 20 – em 1907- ganha a revista Alvorada, mensal e literária.
A julgar pelo que conta Pereira da Costa (1851 – 1823) em Arruar, o bairro realmente tem um passado rico em revoltas, invasões, quilombos. A denominação da localidade também é curiosa. É que ali havia o Rio Cedro, um braço do Capibaribe que “quando enche com a maré é muito arrebatado e furioso, e nele se afogava muita gente, principalmente escravos negros que, sem consideração se atreviam em passá-lo em maré cheia”. De acordo ainda com o mesmo autor, Afogados se transformaria depois em uma “bela povoação, de vida animadíssima e recursos próprios, com duas estações de caminhos de ferro e uma linha de bondes elétricos”. Já no início do século 20, ficou famoso o seu Largo da Paz, onde fica a igreja, com comércio vicejante e muitas opções de lazer. Os seus jardins contam com a assinatura de Burle Marx (1909-1924), porém estão em total abandono.
Qual a razão desses lembretes históricos? É que no mês passado, fizemos um passeio com o Grupo Bora Preservar por Afogados. E a julgar pelo que disse nosso guia, Emanoel Correia, a efervescência do bairro durou até meados do século 20. Ele lembra que o bairro chegou a ter sete cinemas, cinco dos quais funcionando simultaneamente. inclusive o Central, inaugurado em 1945, com 580 lugares, ar condicionado, dois andares e poltronas acolchoadas, em uma época que elas costumavam ser de madeira. Também possuía paredes de vidro, que deixavam à vista o movimento das ruas. Chique, não era?
A situação era tão peculiar, que Afogados chegava a ser comparado à famosa Cinelândia, área central do Rio de Janeiro, conhecida pela concentração de cinemas. Os mais idosos lembram daqueles tempos de tanta oferta do escurinho das salas de projeção, hoje transformadas em templos religiosos, agências bancárias ou em ruínas. Muitos ainda lembram o Pathé, o Eldorado, o Éclair, o Central, o São Jorge. O Eldorado (foto em PB) era em estilo arte déco, ficou famoso e talvez seja o que mais integra as memórias afetivas da comunidade.
Além dos cinco mais famosos, Correia acrescenta mais dois: o Capricho e o São Miguel. O Capricho, teria funcionado até 1975, e chegava a atrair um número grande de espectadores por ano. No seu lugar, há hoje uma agência bancária. De alguns daqueles, só restam as ruínas, como vocês podem observar na foto abaixo, nesse prédio coberto por hera, na Estrada dos Remédios. Ali, no passado, funcionou o Cinema São Jorge.
O bairro possuía lojas sofisticadas como Sloper e Mesbla, segundo Emanoel Correia. Tem mais. Era em Afogados que ficava uma das mais importantes gravadoras de discos do país no século passado, a Rozemblit, cujos prédios hoje sediam uma concessionária de automóveis. O imenso terreno onde era a gravadora, dá um lado para a Estrada dos Remédios e outro para a Rua Cosmo Viana e os prédios dos seus estúdios e escritórios ainda estão de pé.
A gravadora foi fundada nos anos 1950, e sua produção chegou a abocanhar 22 por cento do mercado nacional e 50 por cento do regional, conta Correia. E teve selos famosos – como o Solar, o Passarela e o Mocambo – este último o mais conhecido no Nordeste. Cantores consagrados do sul do país vinham gravar nos seus estúdios, no bairro de Afogados. Porém a empresa começou a enfrentar a concorrência de gravadoras estrangeiras, e entrou em maior dificuldade ao ter suas instalações atingidas por pelo menos seis enchentes entre 1966 e 1977. Na última, terminou fechando as portas. E ficou para a história.
Afogados tem, ainda, a sede do Clube Vassourinhas. A agremiação carnavalesco foi fundada em 1889, no bairro de Beberibe. Mas sua sede atual fica em Afogados, porém está fechada há uma década, totalmente decadente. “A prefeitura veio, bateu foto e foi embora”, relata Paulo do Vassourinhas, que é guardião voluntário do local. E afirma que o seu antigo clube acumula dívidas. Outro em decadência é o Clube Atlético de Amadores, que recebia os melhores cantores românticos do país. Por seu palco já passaram Reginaldo Rossi, Altemar Dutra, Cauby Peixoto, Renato e seus Blue Caps. Fechado desde 2015, o Atlético tinha uma festa carnavalesca famosa: o Baile dos Casados. De todos os locais que visitamos – praças, clubes, ex-cinemas – só um estava em ordem: O Clube Sargento Wolff. Mas a praça com o mesmo nome – em homenagem a um dos heróis na Segunda Guerra Mundial) que fica defronte, está em petição de miséria, como pode ser observado na foto seguinte.
Sem manutenção nos brinquedos, com a estátua do Sargento com evidentes sinais de vandalismo, a Praça acumula água no gramado, podendo até virar um criadouro do mosquito Aedes aegypti, aquele que espalha doenças como a dengue, a Zika e a Chicungnya. Nas ruas dos bairros – inclusive as principais, como Remédios e São Miguel – o que a gente vê é lixo acumulado, buraco, esgoto estourado. Pobre Afogados, com tanta história, tão esquecido e abandonado.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecifee Internet (Eldorado)
Maravilhoso seu texto sobre o Bairro de Afogados Letícia!! Você sempre com ótimas informações!! Parabéns!!!
Que excelente texto. Obrigado por estas informações. Moro em Afogados desde que nasci em 89 e vejo tanto potencial desperdiçado aqui. Além de locais que já não existem mais, como o Clube Atlético de Amadores.