Sessão Recife Nostalgia: Percurso da “maxambomba” nas Caminhadas Domingueiras

Primeiro, logo ao chegar na Praça da Independência, para me encontrar com o Grupo Caminhadas Domingueiras, vi pelo menos três pessoas – todas mulheres –  indagando o que era a “maxambomba”, justamente o tema escolhido pelo arquiteto, urbanista e consultor Francisco Cunha para o percurso de sete quilômetros a pé realizado hoje entre os bairros de Santo Antônio e Casa Forte. Para os leitores e andantes que não sabem ou não lembram, a maxambomba veio a ser o primeiro transporte urbano sobre trilhos a funcionar no Brasil. Aliás, na América Latina, segundo alguns historiadores e de acordo com o próprio  criador, coordenador e  guia do grupo, que por sinal esteve bastante numeroso neste domingo, apesar do tempo incerto e chuvoso.

Segundo, e para começo de conversa: o nome “maxambomba” é uma corruptela criada a partir das palavras “machine pump” (bomba mecânica). O trem urbano foi inaugurado no Recife em 1867, quatro anos após o Governo  Provincial  ter dado concessão à empresa inglesa Street Railway Company Limited. É claro que não é preciso dizer que o trem foi um sucesso, pois a tarifa da maxambomba era 40 por cento inferior aos cobrados pelas carruagens de aluguel. Sendo assim, um comboio que inicialmente puxava  três vagões, passou a puxar até 17, com acomodações para 28 passageiros em cada carro.  As maxambombas circularam até 1919, quando os trilhos  passaram a ser usados pelos bondes elétricos. Estes embora ainda circulem em cidades famosas pelo mundo – como Lisboa (Portugal) e São Francisco (EUA) – no Recife viraram peça de museu. E por esse motivo, o final da caminhada foi nos jardins do Campus Casa Forte da Fundação Joaquim Nabuco, onde há um bonde em exposição sobre o gramado. Os bondes circularam no Recife até o final dos anos 50 do século passado, e foram substituídos por ônibus elétricos a partir de 1960.

Neste local, onde fica hoje a Praça do Entroncamento, havia interseção de linhas da maxambomba

Voltando à maxambomba. Por que foi esse o tema escolhido? Porque em caminhadas anteriores já haviam sido abordados os dois primeiros eixos de desenvolvimento da cidade, passando pelo Bairro do Recife à beira do cais (onde tudo começou) e pelo Bairro de Santo Antônio (que cresceu a partir da ocupação holandesa, a Maurisstad). Francisco contou como a cidade foi se expandindo no período flamengo, como as moradias concentradas no centro da cidade – sem esgoto nem água encanada – eras insalubres, o que provocou várias epidemias. A partir daí, as famílias mais abastadas começaram a procurar bairros “mais saudáveis”, como Poço da Panela, Várzea, Caxangá. Com a maxambomba, a cidade inicia um terceiro eixo de desenvolvimento rumo aos subúrbios. Isso sem falar que até o comércio do centro do Recife ficou mais forte, pois as lojas que antes fechavam às 18h, passaram a funcionar até as 21h, justamente o horário da última viagem  do trem para bairros afastados.

E o nosso percurso, a pé, foi justamente aquele percorrido pela maxambomba, que circulou com o sistema completo no Recife até 1914, embora algumas linhas tenham funcionado até 1919, quando o trem foi definitivamente substituído pelos bondes elétricos.  Saímos da Praça da Independência, percorremos a Avenida Conde da Boa Vista, Ponte Duarte Coelho, Rua Bom Bosco, Avenida Agamenon Magalhães, Avenida Rui Barbosa, Avenida Dezessete de Agosto. No caminho, várias paradas com explicações históricas, urbanísticas, arquitetônicas inclusive com descrição da mistura de estilos entre os séculos 18, 19 e o começo do século 20. Mas o destaque da caminhada pelo #OxeRecife vai para dois locais que guardam as memórias dos tempos da maxambomba. São eles: a Ponte D´Uchoa e a Praça do Entroncamento, ambos no bairro das Graças. A Ponte D´Uchoa – esse lindo e acolhedor prédio da foto superior – é a única estação que resta do nosso trem urbano dos séculos 19 e 20. Aliás, bem mais bonita do que as modernos terminais e pontos de parada dos  BRTs de hoje. Já a Praça do Entroncamento, tem esse nome porque era ali, justamente naquele local, que havia interseção das linhas férreas que iam para o Arraial, Várzea e Dois Irmãos.

Pelo que se observa,  a maxambomba colocou o Recife na vanguarda de trens urbanos no Brasil e funcionava muito bem para as necessidades da época.  Ao contrário do que ocorre hoje, quando o chamado Metrô do Recife é tido como um dos piores do país. O sistema, totalmente sucateado, transporta por dia 180 mil pessoas quando já chegou a ter 450 mil passageiros diários.  Se a maxambomba foi uma evolução  implantada no século 19 , o Metrô do Recife pode ser tido como uma involução no transporte público férreo da Região Metropolitana no século 21, pela péssima qualidade do serviço.  Ao contrário do que ocorre em outras metrópoles brasileiras, como Salvador e São Paulo.

Abaixo, você confere outras informações sobre Caminhadas Domingueiras e trens e bondes urbanos. Também se quiser, há outras reportagens da série Sessão Recife Nostalgia. É só acessar oxerecife.com.br, e colocar na lupa o tema, que vai aparecer muita coisa sobre o Recife do passado.

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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One comment

  1. Maravilha Letícia, estava aguardando essa matéria, sabia que você iria descrever em detalhes, como sempre faz, pena que não pude ir hoje, mas me senti como se tivesse ido.

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