Ao longo de minha vida de repórter, já vi muitas histórias interessantes colhidas entre a população carcerária de Pernambuco. Histórias de reabilitação, de superação, de mudança de vida. Algumas com finais felizes. Outras com tragédias, dias após o retorno à liberdade. No primeiro caso, certa vez entrevistei matador profissional que se transformou em funcionário padrão de uma fábrica de estopas, localizada às margens da BR 101, na Região Metropolitana do Recife. Era o xodó da indústria. No segundo, um rapaz do interior, criado em uma família que trabalhava no Polo de Confecções do Agreste, que tornou-se estilista enquanto cumpria pena no Penitenciária Plácido de Souza, localizada no município de Caruaru, a 130 quilômetros do Recife.
Não lembro o nome. Mas ele tinha um grande futuro pela frente, caso se dedicasse ao mundo fashion. Seu talento era tanto, que por várias vezes foi liberado pela Justiça para participar de desfiles (incluindo os de moda conceitual) ou fantasias naquela cidade. E até no Recife. Chegou a ganhar prêmios. Certa vez, ele desenvolveu belas estampas em tecido, inspiradas nas tatuagens e nos sonhos de vida livre dos colegas, tão presos quanto os dele. Cumpria pena por estelionato. Menos de uma semana após ganhar a liberdade, foi assassinado a tiros.
Senti muito a morte dele, porque costuma-se dizer que prisões são escolas de crime. E ele era um exemplo vivo de que o contrário pode acontecer. Aliás, não só pode, como deve. Também presenciei mulheres que deixaram a prisão com vaga garantida no mercado de trabalho, após aprenderem ofícios na Colônia Penal Bom Pastor. Saíram com carteira assinada, para trabalhar em fábrica de produtos para bicicletas e de artigos de festa de aniversário. Agora me chega uma notícia interessante. A de que 60 detentos do Presídio de Itaquitinga (PIT) acabam de lançar um livro com 130 poesias. Com direito a sessão de autógrafos e tudo. Sem cultura nem educação, não tem civilidade, civilização, cidadania, não é mesmo? Por isso, não posso deixar de fazer esse registro. Itaquitinga fica na Zona da Mata, a 89 quilômetros do Recife.
A iniciativa da publicação do livro de poemas é da Secretaria Executiva de Ressocialização e da Escola Estadual Paulo Freire, (localizada dentro do PIT), que resultou na obra intitulada Poesia no Cárcere. E contemplou as pessoas privadas de liberdade (PPLs) que se identificam com o universo literário. O projeto foi desenvolvido pelo professor da escola (José Moreira Filho) e pelo supervisor pedagógico (Alexsandro Rodrigues). E tem por objetivo oferecer a oportunidade das PPLs expressarem seus sentimentos e colocar a prática a escrita e a leitura. “A leitura representa uma alternativa eficaz para a inclusão dessas pessoas na sociedade, além de proporcionar enriquecimento cultural e social, além da dignidade”, afirma Alexsandro. O reeducando W.L, 31 anos, revela que escrever poesias foi desafiador, pois não se achava capaz:
“Hoje eu me emociono ao ler algo tão lindo, que eu mesmo criei pra uma pessoa que eu amo, daqui do cárcere. Isso significa que dentro do cárcere há vida”.
Leia, Nostálgico Amor, de W.C.S.L, poema impregnado de bons sentimentos. Tomara que estes acompanhem W.C.S.L, sempre, na difícil jornada que terá pela frente: A imensidão do meu amor / É algo que não se pode contar,/ Esse amor que me toma / É difícil controlar, / O que sinto é tão grande / Chega a incomodar,/ Lamento a todo momento / A falta do teu olhar, / Em forma de soluço / Transborda esse amor / Ah, como dói /A ausência do teu calor! / As nossas lembranças / Guardo no coração / Nele carrego a saudade de você / Que é a minha inspiração. / Tais memórias estão no passado, / Mas faço questão de não esquecer, / Me trazem esperança, Razão para viver.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação