História: Cruz do Patrão foi removida

Compartilhe nas redes sociais…

“O nome indica patrão-mor, mestre de barco. Trata-se de uma pesada e alta coluna dórica,  espessa, de alvenaria: são seis metros de altura e dois metros de diâmetro. Em cima, uma cruz de pedra com as iniciais INRI (Jesus Nazareno Rex Iudeo). A cruz originária era de madeira”. É assim que o historiador Rubem Franca (1923-2019) descreve a Cruz do Patrão no seu imperdível livro Monumentos do Recife, publicado no século passado.

Informa que a Cruz do Patrão é um dos monumentos mais antigos da Capital, datado do século 16, segundo alguns autores. “Atualmente, entre depósitos de petróleo, a Cruz do Patrão era marco para balizamento à navegação de navios que entravam no porto (do Recife)”, diz no livro datado de 1977.À época, ainda havia um parque de tancagem naquela área, que depois seria transferido para o Complexo Industrial Portuário de Suape. Segundo Franklin Távora, a Cruz do Patrão “tem, ao norte, o Forte do Buraco (em ruínas).  E ao sul, a Fortaleza do Brum, aí plantado pelo gênio batavo”. Os dois autores lembram mitos que rondam a Cruz, que tem fama de “local mal assombrado”, conforme Franca. Távora  recorda que quem passasse perto dela à noite “ouvia gemidos angustiosos”, “almas penadas” ou “seria perseguido por infernais espíritos”.

Talvez seja por isso que a Cruz do Patrão seja tão esquecida. Dificilmente ela é incluída nos roteiros turísticos, a não ser aqueles dedicados a fantasmas e assombrações. E também não tem do poder público o cuidado que merece, por ser um bem histórico. Agora, surge mais uma novidade sobre o monumento, que teria sido retirado de um local para outro, há mais ou menos meio século.  Um verdadeiro “transplante”. Quem conta é Denaldo Coelho, Coordenador dos grupos Preservar Pernambuco e Bora Preservar. Provavelmente uma história que dará o que falar. Em texto recentemente publicado nas redes sociais dos dois grupos, o engenheiro  fala porque ela surgiu e o motivo pelo qual teria sido transplantada nos anos 70 do século passado:

Em virtude da dificuldade das embarcações adentrarem à Barra do porto natural – pois havia uma estreita passagem pelos arrecifes, onde vez por outra fazia uma nau soçobrar, a Cruz do Patrão era utilizada no balizamento que se dava pelo alinhamento da visão do condutor no barco com a coluna da Cruz e a Igreja de Santo Amaro das  Salinas, cuja lateral dá para a Praça Abreu e Lima. O nome da Cruz vem justamente  do mestre do barco, chamado de Patrão, que seria o marinheiro encarregado do governo de uma embarcação.

Segundo a tradição oral, o local era utilizado como desova de escravos vindos da África. Os botes traziam os negros dos navios que ficavam ancorados, sendo que muitos já chegavam sem vida pelas condições subumanas das viagens. Outros tombavam por castigos recebidos, mas ali mesmo eram enterrados. Porém, em  2006, essas afirmações foram confrontadas em virtude de escavações arqueológicas realizadas no sítio da atual Cruz do Patrão pela Universidade Federal de Pernambuco, onde nenhuma ossada humana foi encontrada, mas sim  pequenos fragmentos de objetos de animais”.

Agora vem a história que vai dar muito o que falar sobre a localização atual da Cruz do Patrão.

Em recente conversa com o engenheiro e professor Fernando Almeida Castro, antigo empregado do Porto do Recife, ele nos confidenciou que lá pelos anos 1970, o Porto do Recife queria destinar uma área para a instalação de um terminal para a Companhia de Borracha Sintética, porém a Cruz do Patrão estava encravada no melhor local. Então, o administrador da época convocou um dos seus colaboradores mais próximos e o incumbiu da remoção da Cruz do seu lugar original. O encarregado e sua equipe, na calada da noite – e munidos com um guindaste – içaram o marco com todo cuidado e o deslocaram para o local onde se encontra hoje. Provavelmente nunca se encontrou vestígios das ossadas enterradas porque a Cruz, como muitos suspeitavam, não se encontra no local onde foi originalmente construída. Outro fator que se reveste no fato é que a área da qual estamos falando já passou por diversas intervenções ao longo dos anos, principalmente com aterros que alargaram a fixa de terra do instmo, que antes era de 80 metros para algo em torno de 315 metros.

Leia também:
História: O mito do uso do óleo de baleia nas construções coloniais
História: telha feita nas coxas, verdade ou mito?
História: os pioneiros cemitérios dos ingleses
História: Calabar é herói ou traidor
Fortim do Bass: inédita relíquia de areia do século 17
Forte do Buraco: tombado, destombado, tombado de novo, lindo e abandonado

Caminhadas com atitude: foi criado o Movimento S.O.S para o Forte do Picão

Boi Voador vira bloco e faz prévia
Cemitério desafiou as leis do século 19
O charme dos prédios da Bom Jesus
Sessão Recife Nostalgia: Maurisstad, arcos e boi voador
Recife tem Boi Voador e cortejo de bois
Carnaval para os 481 anos do Recife

Recife, 482 anos: vamos de boi voador?
Recife faz festa com boi voador
Olha! Recife: rio, ponte e boi voador
Silenciosa relíquia do tempo de Nassau
Turista, placa apagada e boi voador 
O Recife através dos tempos
Desativado há onze anos, Moinho Recife começa a mudar de cara
Sessão Recife Nostalgia: Quando a cidade quase vira Beirute
Arte Déco: Miami ou Recife?

A República e o estilo eclético no Recife
Aluga-se um belo prédio na Bom Jesus
O charme dos prédios da Bom Jesus
Lembram dele? O caso do prédio que teve duas fachadas simultâneas
Uma pérola na comunidade do Pilar
O ferro na arquitetura do Recife
Passeio por três séculos de história
Um passeio pela história do Recife
Bairro do Recife em discussão
Que breu é esse na Torre de Cristal?
Torre de Cristal não pode apagar: trevas onde devia haver luz
Praça do Arsenal de fonte luminosa
Cadê o gramado da Praça do Arsenal?

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Denaldo Coelho / Cortesia

 

Continue lendo

4 comments

  1. A PROPÓSITO DA CRUZ DO PATRÃO – MAIS UMA INVERDADE.
    O monumento em questão encontra-se localizado neste local desde 1759, data do “Prospecto da Villa do Recife vista pelo lado fronteiro à Cidade de Olinda” – Bico de pena aquarelado com sépia, medindo 265 x 720 mm (nº86). Cópia fiel da planta levantada pelo padre jesuíta José Caetano, em 1759, como se lê no fim da legenda, pertencente ao acervo da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército (Rio de Janeiro). Publicada no álbum “Raras e Preciosas Vistas e Panoramas do Recife – 1755-1855”, Gilberto Ferrez. Recife, Coleção Pernambucana, 2ª Fase, 1984; p. 25-28.

    1. Tenho o maior respeito pelo senhor Prof. Leonardo Dantas, pela sua biografia e pelo seu profundo conhecimento da história, além de lhe seguir em algumas redes, todavia em relação ao fato, antes de se afirmar a inverdade de um determinado assunto, deve-se ter o devido cuidado de se investigar a fundo para cravar a negativa.
      Longe de mim querer questionar a planta levantada pelo Padre José Caetano, porém, em se tratando de cartografia, ainda hoje os mapas, com toda a tecnologia, contém erros por diversos motivos e um dos principais acontece quando se tenta representar uma superfície curva no plano, sempre existem diferenças geodésicas. Mas no caso citado não se trata de erro de mapas.
      Não sou historiador, apesar de gostar muito do tema e desde cedo ler bastante. Acho que herdei de minha mãe, já falecida, que era antropóloga da UFPE e UFRPE, Prof. Waldenir Caldeira.
      Sou empregado do Porto do Recife e a Cruz do Patrão sempre me despertou muito a atenção, pela sua imponência e pelo belo monumento que é. Sempre que pude, investiguei sobre a sua história, pesquisando em livros e internet, mas também pela oralidade com os mais antigos sobre sua história. Já tinha ouvido falar sobre a remoção da Cruz, porém sem objetividade, até encontrar o Prof. Fernando Castro que topou falar sobre o assunto. O Prof. Fernando vem de uma linhagem de pessoas que tem grandes serviços prestados ao Porto do Recife. Seu pai Dr. Lourival uma sumidade no assunto e seu avô que participou das obras de ampliação do Porto no início do século passado. Acredito nas palavras do Prof. Fernando, primeiro porque não tinha motivos para mentir e depois pela riqueza de detalhes de sua narrativa sobre fatos e personagens, que por uma questão de preservação, não pude citar.
      Devemos lembrar que esse episódio ocorreu durante o período da ditadura militar e tivemos um fato, não igual, mas semelhante, quando um Almirante do 3º Distrito Naval, que era sediado no Recife, mandou dinamitar o Forte do Buraco, que atrapalhava a construção da Base Naval. Por essa e por outras, não duvido de muita coisa.
      Faço um convite ao senhor, Prof. Leonardo, para conversar com o Prof. Fernando, pois tenho certeza que seria uma conversa bem interessante.

  2. O forte do Brum é construção portuguesa, existia já a um ano quando ocorreu a invasão holandesa em 1630. O de Orange é construção holandesa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.