Ex-rios, canais viram esgotos e lixões

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Certa vez, um conhecido professor da Universidade Federal de Pernambuco esteve na Prefeitura, quando na antessala do gabinete de um secretário, disse o nome e anunciou o tema da audiência: os riachos do Recife. “Mas o Recife não tem riacho”, afirmou uma auxiliar do titular procurado da pasta, com o qual o mestre teria um encontro. Ao que o especialista respondeu com justificada dose de ironia. “Sabe aquilo que vocês chamam de canais? Já foram rios ou riachos um dia”. A moça se calou. E é verdade. O pior, é que aqueles que já foram rios ou riachos, hoje chamados de canais, viraram uma mistura de esgoto e lixão. Só em 2019, quase 47 mil toneladas de detritos foram retiradas dos 99 “canais” do Recife.

Canais que, se limpos, poderiam até funcionar como áreas de lazer das populações de bairros próximos, como acontecia no passado.  Já colhi algumas lembranças de como eram esses “riachos”,  hoje “protegidos”  por paredes de concreto. Ao caminhar, certa vez nas proximidades do Canal do Jordão – agora um esgoto a céu aberto – encontrei uma família, que mora às suas margens há mais de 40 anos. O dono da casa me contou que tomava banho no “Rio Jordão”, que tinha águas tão cristalinas, que sua mãe ali ganhava a vida lavando roupas de famílias da Zona Sul. Em Casa Forte, lembro das águas limpas do Canal Parnamirim da minha infância, onde a molecada até banho tomava e os verdureiros  até o usavam para lavar coentros e alfaces que vendiam na vizinhança.

O Canal Parnamirim, em bairro nobre e vizinho ao Plaza Shopping, é um mau exemplo do  descarte irregular de lixo (LL).

Há, também, boas lembranças do Canal de Guarulhos, em Jardim São Paulo. Há três anos, conversando com  Reginaldo de Oliveira Falcão Júnior, dono do Bar Toca do Barão, ele disse com ar saudosista: “O Guarulhos antigamente era um rio, tinha peixe, camarão, a gente tomava banho e, aos domingos, fazia piquenique às suas margens”. Em pleno século 21, aqueles que eram rios e riachos viraram canais, que funcionam como esgotos a céu aberto, como na Idade Média. Para completar, a população os utiliza como lixões (como faz, aliás, com rios como Beberibe e Capibaribe).

E a sujeira e o assoreamento são tão grandes, que a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) anuncia que está investindo R$ 7 milhões para limpar os canais em 2020. “As ações evitam que os resíduos sólidos sigam para os rios a exemplo do Capibaribe e do Beberibe”. Os trabalhos já começaram na última segunda-feira.  A julgar pelos números, o descarte irregular nos canais está até aumentando. De janeiro a novembro de 2019, a Emlurb recolheu 46.890 toneladas de resíduos dos 99 canais da cidade. Em 2018, foram 34.607 toneladas de lixo. A autarquia lembra que quem descarta resíduos de forma irregular pode ser multado em flagrante. Denúncias e reclamações devem ser registradas pelo número 156.  Na operação de limpeza, serão mobilizadas 120 pessoas. .Além disso, farão parte das ações: seis escavadeiras hidráulicas, sete retroescavadeiras e cerca de 30 caminhões basculantes. A limpeza é uma forma de evitar transbordamentos durante o período de inverno. O pior é que, no ano seguinte, está tudo do mesmo jeito.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Andréa Rego Barros / Divulgação / PCR e Letícia Lins

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