Esgoto na praia não é só em Candeias

Muito triste, mas muito mesmo,  a cena da foto acima. Imagine, você morar perto do mar – sonho de consumo de muita gente – abrir a janela e sentir um cheiro insuportável. E também ver que a água, ao invés de azul, está escura. Foi o que aconteceu, nesta semana, na praia de Candeias, Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife. O que se pensou, a princípio, ser grande quantidade de algas (sargaço) era, na verdade, resultante de esgoto indevidamente jogado no mar. O que, aliás, não é novidade na Região Metropolitana.  Nem mesmo na capital e no badalado Litoral Sul. Pois despejos do tipo são observados na praia de Boa Viagem e na do Pina (no Recife). E já houve registro até no paraíso: Porto de Galinhas (em Ipojuca). Na praia mais famosa do Litoral Sul de Pernambuco, a própria prefeitura foi responsabilizada pelo crime ambiental.

Em Candeias, a Agência Estadual do Meio Ambiente (Cprh) constatou que além do excesso de sargaço – comum nessa época do ano –  havia despejo de esgoto doméstico, proveniente de ligações clandestinas dos condomínios à rede de galerias pluviais. O que também não é incomum no Recife, segundo já me relataram funcionários da própria Compesa. O que resulta da cultura de improvisação quando o assunto é esgoto, infelizmente esquecido pelos nossos gestores. Estamos no século 21, e temos oferta de serviços que atende a cerca de 30 por cento da população. Apenas. E o resto, para onde é que vai? De acordo com a Compesa, o serviço de esgotamento sanitário naquela região foi realizado, mas os condomínios não fizeram a interligação necessária. É bom lembrar, no entanto, que a conclusão desse serviço é recente, e que já devia ter sido feito há muito tempo.

 

Acesso a saneamento é um direito da população que, infelizmente, nossas autoridades costumam deixar de lado. A Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes informa que já notificou cerca de 80 prédios, para que façam a interligação. E a Cprh diz que vai acompanhar a realização desses serviço. De acordo com a Agência, há tempo que as águas de Candeias não são recomendadas para banho. Ou seja, são sempre poluídas. Porém, com o derrame a situação ficou mais visível. A Cprh precisa, no entanto, fazer fiscalização permanente. Não é novidade que na Praia de Boa Viagem, por exemplo, sempre há um esgoto escorrendo, ali perto do Edifício Saint Exupéry. A água jogada à areia é sempre escura, dando também a impressão de que há mistura de escoamento pluvial com dejetos domésticos. Mesma situação ocorre no Pina (abaixo), praia que lota aos finais de semana, ali, vizinha a Brasília Teimosa.

No Pina, no Recife, o derrame de esgoto é permanente, porém não chama tanto a atenção como em Candeias (em Jaboatão).

Tanto em Boa Viagem quanto no Pina, os escoamentos são permanentes e ninguém faz nada. Em Candeias, a poluição chamou a atenção por conta do aumento da quantidade de sargaço, da água escura e da fedentina. Porém diariamente a água do mar  é agredida com despejos indevidos e silenciosos. Tanto é assim, que há tempo o banho de mar ali não é recomendado.  “Importante destacar que os relatórios de balneabilidade, divulgados semanalmente pela Cprh, apontam que a referida área é imprópria para banho de mar”, ratifica, em nota a Cprh, referindo-se a Candeias.

Vizinha a Boa Viagem, a praia do Pina também tem derrame silencioso e invisível de esgoto: sujeira.

A Cprh, aliás,  precisa ficar atenta a todo o litoral, incluindo as praias de Boa Viagem e Pina, no Recife, que são muito frequentadas.  A Compesa não cumpre com o seu papel, mas no caso de Candeias até que fez uma parte da parte, já que ainda restam áreas descobertas  em muitas regiões de Jaboatão. Como – aliás – também ocorre no Recife. Em Candeias, cabe ,agora, à população fazer a sua parte, interligando seus esgotos à rede construída para esse fim. Mesmo assim é provável que continue havendo despejo clandestino, como há nos nossos rios. E em caráter permanente. É só pegar um barco para constatar, o volume que cai Capibaribe e Beberibe, que das águas cristalinas do passado se transformaram em dois esgotos a céu aberto.

No Litoral Norte, a situação não é diferente. E nada se faz para mudar. Lembro-me que nos veraneios de minha adolescência, na praia de Rio Doce, costumava caminhar até o rio que separa Olinda (Rio Doce) de Paulista (Janga). O rio era tão cristalino que mergulhávamos sem medo em suas águas, assim como era limpíssimo o mar nos dois municípios. Há algum tempo, estive no Janga, com meu colega Fernando Batista (hoje residindo em Salvador) e fomos ao manguezal onde fica a estátua de Yemanjá. Tive vontade de chorar. O rio não existe mais. Seu leito virou uma massa escura e fedorenta. Esgoto puro. Uma tristeza só. E a Compesa, onde é que fica nessa história? E a fiscalização da Cprh?

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Texto: Letícia Lins/ #OxeRecife
Fotos do leitor (Candeias) e Genival Paparazzi (Pina / Cortesia)

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One comment

  1. Demorou de fazer uma reportagem sobre as praias do litoral norte, sobre a vergonha e o descaso do poder público com a região.

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