Esgotado, livro “Estrelas de Couro – a Estética do Cangaço” é relançado

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Autor de livros como Guerreiros do Sol, Entre Anjos e Cangaceiros e a Guerra Total de Canudos, o historiador Frederico Pernambucano de Melo entre em cena, mais uma vez na quarta-feira (13/04), com o lançamento daquele que já se tornou um clássico sobre a indumentária e adereços utilizados pelos cangaceiros, que eram liderados por Virgulino Ferreira, o famoso Lampião. Se o controvertido personagem de nossa história foi bom na liderança e na estratégia de luta era, também, um caprichoso artesão. Se vivesse hoje, poderia se dizer dele até que era um grande estilista, pois o célebre cangaceiro era ligado em moda e acessórios. E muito criativo!

E não era só ele que era “fashion” demais.  A indumentária utilizada pelos cangaceiros já chegou, inclusive, a inspirar coleções de grifes famosas.  Comenta-se até que a mulher de Lampião, Maria Bonita, foi uma das primeiras no Brasil a aderir ao zíper. Criado no final do século 19 e utilizado em macacões do operariado na Europa, o zíper passou a ser utilizado no vestuário feminino pelas mãos da estilista italiana Elza Schiaparelli (1890-1973). E a novidade chegou logo no Sertão. Talvez antes mesmo de aparecer nos salões requintados de bailes e festas.  Esses fatos me vieram à lembrança ao saber que o livro Estrelas de Couro –  A Estética do Cangaço está sendo relançado. O autor, Frederico Pernambucano de Melo, é um dos maiores experts do país quando o assunto é cangaço. Do qual ele sabe tudo. Da história, das armas, das lutas aos adereços.

O livro estava esgotado nas livrarias, e virou objeto de colecionador, sendo vendido por até R$ 1 mil o exemplar. Agora ele volta a ficar acessível, pois vai ser lançado amanhã à noite pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). É a quarta edição, agora revista pelo autor. O lançamento acontece às 18h, no mezanino do Museu Cais do Sertão, Espaço Todo Gonzaga, no Bairro do Recife.  E o preço está bom: R$ 140 para o livro físico e R$ 48 para o e-book. O livro é fartamente ilustrado e convida o leitor a uma viagem pela rica  estética do cangaço: alpercatas, bornais, luvas de vaqueiro, perneiras, mochilas e até os vestidos das cangaceiras. Destaque para o modelo em risca de giz, adornado com galão e fecho ecler (zíper) usado por Maria Bonita em 1938. Até mesmo o vestido de batalha (foto acima à esquerda) da cangaceira tinha adornos.

Em formato de meia-lua, chapéu de Lampião ostentava estrelas confeccionadas em metais preciosos.

Tanto ela quanto o marido curtiam jabiracas (lenços de pescoço), confeccionadas em tecidos finos: seda pura inglesa, tafetá francês. Joia também era que não faltava nos acessórios dos cangaceiros. E não era ouro “vagaba” não, daqueles que ainda hoje se acha em cidades do interior nordestino, como em  Juazeiro do Norte. Era ouro mesmo, 18 quilates! O livro mostra, portanto, símbolos da estética do cangaço, com seus trajes, armas e utensílios domésticos adornados com muitas cores e signos característicos. Com sete capítulos, o livro é resultado de mais de 40 anos de pesquisa do historiador sobre o tema. A obra também cobre uma lacuna literária brasileira: “Não há muitas publicações sobre estética no Brasil. Quase sempre o que se encontra são absorções locais de temáticas estrangeiras”, afirma Frederico.

“Fashion” e ligado nos últimos lançamentos da moda na Europa, Lampião criava as próprias roupas e até as costurava.

No prefácio, o escritor Ariano Suassuna Suassuna (1927- 2014) reforça: “Se há no Cangaço um elemento épico, este é ainda exacerbado pelos trajes e equipagem dos cangaceiros, com os seus anéis e medalhas, seus lenços coloridos, seus bornais cheios de bordaduras, os chapéus de couro enfeitados com estrelas e moedas — tudo isso que se coaduna perfeitamente com o espírito dionisíaco de dança e de festa dos nossos espetáculos populares e compõe uma estética peculiar, rica e original, agora minuciosamente estudada por Frederico Pernambucano”.  Com 300  páginas, a publicação está dividida em sete capítulos, que vão das “Raízes e projeções do irredentismo brasileiro” às “Bandeiras do cangaço, o monge e o hábito”. Do “Correame, guarnições e alpercata” à “Meia-lua com estrela”. Referência ao formato dos chapéus imortalizados pelos cangaceiros, muitos dos quais tinham estrelas como adornos.

Indumentárias e acessórios utilizados pelos cangaceiros tinham elementos decorativos caprichosamente bordados.

 

Intercalado por vasto repertório ilustrado, o livro traz fotografias de Lampião e seus asseclas, notas explicativas ao final de cada capítulo.  Além das fotos do acervo de objetos da coleção particular do autor – considerada “a mais completa, rigorosa e rica dentre quantas existem no país sobre o assunto”, segundo o próprio Frederico, o livro traz ainda xilogravuras de Jota Borges, capas de revistas e obras de arte sobre a temática do cangaço.  Ele o produziu após muitos estudos e viagens ao Sertão, onde Frederico recolheu depoimentos de remanescentes do que ele chama de “ciclo histórico do cangaço”, ocorrido entre as décadas de 1920 até 1938, ano em que Lampião e os cangaceiros foram mortos. Ao iniciar a pesquisa, Frederico formou sua coleção particular, já apresentada em São Paulo, Rio de Janeiro, Chile e Inglaterra. Como resultado do trabalho, o historiador destaca a necessidade de ampliar o conceito de banditismo que se utilizava até então. Inclusive o próprio Frederico que, no início de suas pesquisas, considerava Lampião um “rebelde sem causa”. Não era.

O capricho que o cangaceiro confere a suas vestes é comparado ao dos cavaleiros medievais europeus e aos samurais orientais. “O traje do cangaceiro é um dos exemplos demonstrativos do comportamento arcaico brasileiro. Ao invés de procurar camuflagem para a proteção do combatente, é adornado de espelhos, moedas, metais, botões e recortes multicores, tornando-se um alvo de fácil visibilidade até no escuro”. Essa contradição se explica pela crença no sobrenatural “em nome do qual ele exerce uma missão, lidera um grupo, desafia porque se acredita protegido e inviolável e, de fato, desligado do componente da morte”, explica o historiador. Ele acrescenta também que Lampião e seus companheiros eram afeitos a itens de luxo, como lenços de seda, perfume francês e óculos alemães.  As primeiras representações do cangaço na arte, porém, contrariam sua aparência colorida e cuidadosa, confeccionada pelo próprio cangaceiro em máquina de costura. Frederico cita como exemplo dessa distorção a série de quadros de Portinari, a qual chamou de ideologicamente bem-comportada.

Crucifixo de Lampião, que pertenceu à Baronesa de Água Branca (AL)

Para Frederico, Portinari foi  “um crédulo nas cores castradas com que os mexicanos deram as costas à realidade festiva do povo, sem exclusão de seus bandidos celebrados, para se manterem fiéis ao ideal político de dar vida a um guerrilheiro supostamente sofredor e opaco, substitutivo proposto à exuberância plástica do bandoleiro real cheio de cores, no afã de produzir o ícone de que os marxistas necessitavam no campo”, critica o historiador.  Para ele o cangaceiro na arte só ganha sua fiel representação no final dos anos 1950, com nomes Aldemir Martins e Raul Córdula. “Ganhará cores mais fortes com Carybé, chegando ao detalhe estético apenas em 1984, com José Cláudio”. No momento, Frederico atua como consultor da Globoplay, que está desenvolvendo a série Guerreiros do Sol, sobre Lampião e Maria Bonita.

A previsão de estreia é para 2023. E, com certeza, como tudo que fala sobre a dupla de cangaceiros e do seu bando, tem tudo para ser um sucesso. Estão aí as exposições sobre o assunto, as mini-séries, novelas, livros e filmes que não nos deixam mentir.  Entre estes, o “O baile perfumado”, “Entre irmãs” e  “Deus e o diabo na terra do sol”, a inesquecível obra de Glauber Rocha que marcou o chamado Cinema Novo e virou clássico da filmografia brasileira.

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Serviço
O que:
Lançamento do livro Estrelas de couro: a estética do cangaço, de Frederico Pernambucano de Mello
Quando: 13 de abril
Onde: Mezanino do Museu Cais do Sertão, no Espaço Todo Gonzaga (Bairro do Recife)
Horário: 18h
Preço: R$ 120 (livro impresso); R$ 48 (e-book)

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Reproduções do livro “Estrelas de Couro – A Estética do Cangaço”

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