Na segunda-feira (07/04) falei aqui da exposição de fotografias, cuja maior parte mostra agressões a um dos patrimônios da natureza e sem o qual ninguém vive: a água. Com fotos realizadas em 19 países, a mostra internacional “Água é vida” – em cartaz até 30 de abril no Museu Universo Compesa – leva o público a pensar, diante da insanidade como nós, humanos, tratamos nossos lagos, rios e oceanos, entulhando-os com materiais tóxicos e detritos como plásticos.
O que a exposição não traz é outro desdobramento do problema: material igualmente poluente, menos visível, porém implacável e que já afeta a saúde de peixes e outros animais marinhos: os microplásticos. Por que lembro disso agora? Porque antes mesmo de ter visitado a expô em questão, eu havia documentado a presença desses “invisíveis” pedacinhos da foto acima que começam a afetar a vida dos mares.
Há dois domingos, estive na praia de Boa Viagem, Zona Sul do Recife, durante a maré baixa, e me espantei com a quantidade desses materiais boiando na água do mar e depositado na areia úmida, que ia ficando à mostra com a maré descendo. Essa quantidade absurda vista aí em cima representa uma concentração em um metro quadrado de areia.
Ou seja, uma situação preocupante, quando a gente sabe de estudos que já acusam a presença desses elementos nos animais, nos alimentos e até mesmo nos homens, que começam a pagar por anos de irresponsabilidade ambiental. E isso não é só nas praias de Pernambuco não. É uma preocupação no mundo, pois nossas águas estão empestadas de materiais poluentes que vão dos despejos domésticos e industriais ao excesso de plásticos, macros ou micros. Na última segunda-feira, houve a publicação simultânea de 14 estudos, que mostram que a poluição por microplásticos já afeta todos os rios da Europa, incluindo os mais conhecidos, como Tâmisa (Inglaterra) e Tibre (Itália). Já rápido fluxo do Ródano (que nasce na Suíça e termina na Itália) resultou em 3 mil partículas por segundo, de acordo com Jean-François-Ghiglione, coordenador da pesquisa que mobilizou 40 cientistas de 19 laboratórios europeus.

Se em Boa Viagem e outras praias, os detritos maiores – garrafas PET, copos, talheres plásticos, vasilhames de cerveja e outros materiais – são recolhidos pelos garis, os pequenos ficam lá se espalhando cada vez mais. Como se sabe e inclusive já noticiamos aqui nesse espaço, esses microplásticos já foram identificados por cientistas em espécies de peixes e até mesmo no corpo humano. Imaginem, então, o dano que uma peste dessa pode provocar na saúde dos animais e dos humanos.
Muitos desses pedacinhos vêm de outros plásticos descartados indevidamente pela população. Em Pernambuco, por exemplo, pesquisa já publicada aqui nesse espaço, investigou a presença de microplástico em uma espécie de tubarão, o cação-figuinho, muito consumido no Nordeste. Pois 100 por cento dos indivíduos examinados acusaram a presença do resíduo. Ou seja, comemos o tubarão e o microplástico passa a circular no nosso corpo. Microplásticos são resíduos degradados de vários tipos de plásticos com até cinco milímetros de comprimento. Eles vêm de roupas sintéticas, escovas de dentes e outros materiais descartados incorretamente.
Esses micros já foram encontrados até nos intestinos humanos. Acredita-se que 50 por cento da população mundial já tenha algum tipo de microplástico no seu corpo. Uma pesquisa realizada por cientistas coreanos e pelo Greenpeace em 39 marcas de sal de cozinha, indicou que apenas três marcas não tinham as diabólicas partículas. Foram analisados produtos consumidos em 21 países da Europa, África, Ásia, América do Norte e América do Sul. Ou seja, nós, da América do Sul, corremos risco como as populações dos outros continentes. A situação é difícil e preocupante. E as pessoas precisam, urgentemente, tomar consciência do perigo que estão construindo para as suas próprias gerações e para as que estão por vir. Lembrem-se: se nada for feito, em 2050 os oceanos terão mais plásticos do que peixes, o que configura uma tragédia que coloca em risco inclusive a segurança alimentar.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins / #OxeRecife e Souleymane Tangara (Mali, Exposição Água é Vida)
Vídeo: Letícia Lins / #OxeRecife